[...] Então começou a minha vida de milionário. Deixei bem
depressa a casa de Madame Marques — que, desde que me sabia rico, me tratava
todos os dias a arroz-doce, e ela mesma me servia, com o seu vestido de seda
dos domingos. Comprei, habitei o palacete amarelo, ao Loreto: as magnificências
da minha instalação são bem conhecidas pelas gravuras indiscretas da
"Ilustração Francesa". Tornou-se famoso na Europa o meu leito, de um
gosto exuberante e bárbaro, com a barra recoberta de lâminas de ouro lavrado, e
cortinados de um raro brocado negro onde ondeiam, bordados a pérolas, versos
eróticos de Catulo; uma lâmpada, suspensa no interior, derrama ali a claridade
láctea e amorosa de um luar de Verão.
Os meus primeiros meses ricos, não o oculto, passei-os a amar
—
a amar com o sincero bater de coração de um pajem inexperiente. [...]
Eça de Queiroz in "O Mandarim"
.
Faz bem ao espírito do português, que vive em conjuntura política de teodoros — amanuenses do Ministério do Reino — e de teodoricos raposões, ler um minuto de Eça por dia — não resolve, mas alivia.
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