sexta-feira, 24 de março de 2017

OS NOSSOS IRMÃOS PORCOS

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Julian Savulescu é professor de Ética em Oxford. Recentemente, publicou um ensaio que dá para pensar duas vezes antes de adormecer. Tem o título "Should a human-pig chimera be treated as a person?". Começo por explicar o que é a human-pig chimera de Savulescu, antes de falar das suas consequências éticas.
Como sabe, a mula — e o macho — é um animal que resulta do cruzamento do burro com a égua. Tem património genético, que determina as suas características morfológicas e funcionais, parcialmente do burro e parcialmente da égua. É híbrido, ou uma "quimera asno-cavalar", ou "asno-equina" — não sei bem como dizer. Agora suponha que é possível — e logo se falará se é possível ou não — criar uma "quimera humano-porcina"!
Nos Estados Unidos estão a fazer-se tais "quimeras" — é verdade!...
Pega-se numa célula da pele de um homem ou mulher, tira-se-lhe o genoma do núcleo, edita-se (já explico o que é editar neste caso), vai-se ao ovo instalado na barriga duma porca grávida, e mete-se lá o genoma humano editado. É editado porque se fazem alterações de modo a que esse genoma "só" vai comandar a formação de um órgão, seja rim, pâncreas, fígado, rebabá, por uma técnica chamada CRISPR, que não interessa agora esmiuçar.
Então, no fim da gravidez, nasce um/a porquinho/a muito lindo/a, em tudo igual à sua mãezinha porquinha, mas com rins de homem (ou mulher, isso não interessa agora). Os rins são alimentados por artérias e sangue "porcalhão", fazem chichi "porcalhão", mas são como se fossem do/a dador/a, humano/a do genoma. Se este precisar de rins novos, é como substituir a roda do automóvel — não há rejeição porque, em boa verdade, aqueles rins são dele/a e estão no porco ou na porca como a roda sobressalente está na mala do seu carro.
Neste momento, o leitor é capaz de achar isto formidável, quase tão formidável como acharia um receptor dos rins porcinos. Mas espere lá: e a porca? Sim, a porca!... Aquela porca dadora de rim que podia ter o seu genoma (cruzes canhoto) e é metade porca e metade homem ou mulher. Mata-se? Não pode matar uma porca que é quase humana; e mais(!), quase parente — irmã, ou filha, já nem sei porque me perdi no meio desta trapalhada.
Valham-me todos os santos — que mais irá nos acontecer?
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