INFLUÊNCIA DAS PRIMEIRAS NOVAS DO ORIENTE SOBRE A NAÇÃO E O REI
[...] «Boa ventura! Boa ventura ! Muitos rubis, muitas esmeraldas ! Estais na terra da especiaria, da pedraria e da maior riqueza que há no mundo!» Assim grita o Monçaide, direito ao Gama, a touca ao vento, ao entrar na capitaina, em Calecut.
«E quando assim o ouviram falar, estavam todos pasmados... e davam graças a nosso senhor chorando de prazer, e Vasco da Gama o abraçou e o fez assentar a par de si.»
Esse grito de triunfo, esse arrepio de pasmo e comoção, que arrasa de água os olhos dos marujos, trazem-no eles na alma, ao varar em Lisboa, e comunicam-no à nação inteira. Logo ali na cidade houve touros, canas, momos, e os sinos todo o dia tangeram em sinal de alegria. [...]
[...] O Rei, cuja idade entrava pelos trinta exactos, sobre ter atingido a sua alta jerarquia por uma série de acasos quase incrível, o que já de si a mór parte das vezes soi marear os caracteres mais puros, era, de natural, fraco, caprichoso e duma vaidade desmedida. [...]
[...] Relendo e compilando o que rezam as crónicas e os documentos soltos desse tempo e em particular os que ele próprio chancela e inspira, aquela presunção volve-se em realidade eloquente. Causa, em verdade, pasmo o que êle sonha e ordena ao mesmo tempo. Na mente sucedem-se e tumultuam-lhe os projectos. A sede de domínio empolga-o até ao desvario. Um dos primeiros actos, que decide, logo após o regresso do Gama, e que licitamente se lhe pode prender, é a trasladação, com grande pompa realizada, da Sé de Silves para a Batalha, dos restos mortais do seu antecessor, que havia mais de três anos falecera. O júbilo torna-o reconhecido. Perante a grandeza do triunfo quebra o mal rebuçado desamor.
De terra em terra, acompanhado por todos os grandes da nação e arcebispos, bispos, oitenta capelães e cantores, a cavalo e de tochas acesas, e precedido pela orquestra bárbara das trombetas, charamelas, sacabuxas e atambores, o Rei, durante longos dias, atravessa o descampado reino, na cauda do fúnebre cortejo. Às noites, no silêncio dos tristes povoados, por onde fazem alto, o fantasma do Rei havia de surgir-lhe em pensamento, com a sua altura incomparável. E na Batalha, já noite, terminada a ceremónia, ao relembrar o Homem que preparara com tamanha constância a obra grandiosa, que o cumulava agora de ventura, toma-o uma curiosidade doentia, e quase clandestinamente volta ao mosteiro e manda abrir o ataúde, para o ver. [...]
.
Jaime Cortesão in “A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil”
[...] «Boa ventura! Boa ventura ! Muitos rubis, muitas esmeraldas ! Estais na terra da especiaria, da pedraria e da maior riqueza que há no mundo!» Assim grita o Monçaide, direito ao Gama, a touca ao vento, ao entrar na capitaina, em Calecut.
«E quando assim o ouviram falar, estavam todos pasmados... e davam graças a nosso senhor chorando de prazer, e Vasco da Gama o abraçou e o fez assentar a par de si.»
Esse grito de triunfo, esse arrepio de pasmo e comoção, que arrasa de água os olhos dos marujos, trazem-no eles na alma, ao varar em Lisboa, e comunicam-no à nação inteira. Logo ali na cidade houve touros, canas, momos, e os sinos todo o dia tangeram em sinal de alegria. [...]
[...] O Rei, cuja idade entrava pelos trinta exactos, sobre ter atingido a sua alta jerarquia por uma série de acasos quase incrível, o que já de si a mór parte das vezes soi marear os caracteres mais puros, era, de natural, fraco, caprichoso e duma vaidade desmedida. [...]
[...] Relendo e compilando o que rezam as crónicas e os documentos soltos desse tempo e em particular os que ele próprio chancela e inspira, aquela presunção volve-se em realidade eloquente. Causa, em verdade, pasmo o que êle sonha e ordena ao mesmo tempo. Na mente sucedem-se e tumultuam-lhe os projectos. A sede de domínio empolga-o até ao desvario. Um dos primeiros actos, que decide, logo após o regresso do Gama, e que licitamente se lhe pode prender, é a trasladação, com grande pompa realizada, da Sé de Silves para a Batalha, dos restos mortais do seu antecessor, que havia mais de três anos falecera. O júbilo torna-o reconhecido. Perante a grandeza do triunfo quebra o mal rebuçado desamor.
De terra em terra, acompanhado por todos os grandes da nação e arcebispos, bispos, oitenta capelães e cantores, a cavalo e de tochas acesas, e precedido pela orquestra bárbara das trombetas, charamelas, sacabuxas e atambores, o Rei, durante longos dias, atravessa o descampado reino, na cauda do fúnebre cortejo. Às noites, no silêncio dos tristes povoados, por onde fazem alto, o fantasma do Rei havia de surgir-lhe em pensamento, com a sua altura incomparável. E na Batalha, já noite, terminada a ceremónia, ao relembrar o Homem que preparara com tamanha constância a obra grandiosa, que o cumulava agora de ventura, toma-o uma curiosidade doentia, e quase clandestinamente volta ao mosteiro e manda abrir o ataúde, para o ver. [...]
.
Jaime Cortesão in “A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil”
.
Sem comentários:
Enviar um comentário