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Quando falamos da natureza dum ser, referimo-nos
habitualmente às suas qualidades inatas. Porque nos seres há qualidades não
inatas que resultam da experiência. É elementar isto: o biológico e o cultural,
ou o congénito e o adquirido, o nativo e o empírico, blá, blá blá. Os
anglo-saxónicos, com a sua mestria de simplicidade linguística, falam de “nature”
e de “nurture” e fica tudo muito mais fácil.
Vem isto a propósito de saber o que é natureza e
empirismo em cada um e se são coisas separadas. Salta rapidamente à razão a
ideia de que a natureza condiciona o empirismo, o que equivale a dizer que a
mesma experiência não produz o mesmo resultado em todos os seres,
encarregando-se a natureza de modelar o resultado – o marketing diria
personalizar.
Por exemplo, as aves canoras quando nascem emitem sons musicalmente
medíocres. Se mantidas isoladas dos pais, continuam nesse estado. Mas, em
contacto com eles, aprendem o canto, embora não o copiem: adaptam-no ao seu
gosto individual, personalizam-no. E fazem isto de motu próprio, sem
necessidade de serem tuteladas ou ensinadas. Ou seja, faz parte da sua natureza aprender o canto
que, nesse caso, é simultaneamente “nature” e “nurture”. Outras aves, como as
gaivotas, as galinhas, ou os mochos, não aprendem canto, nem ensinadas: têm uma
vocalização instintiva, primitiva e pobre, porque da sua natureza não faz parte
a tendência para o aprender. O canto não faz parte da sua “nature”, nem da sua “nurture”.
O mesmo acontece com os mamíferos: são quase todos piores
que as galinhas e os mochos. Com excepção de alguns mamíferos marinhos, como as
baleias, os golfinhos e as focas, e dos morcegos, dos elefantes e do homem, é
tudo uma calamidade em termos de capacidade vocal. Mesmo nos primatas, o único
que escapa somos nós, se não considerarmos o Prof. Cavaco Silva. A criança
muito pequena emite sons que lhe permitem afinar a palheta – a conversa
incompreensível dos primeiros meses é a afinação do pífaro. Quando este está
afinado, começa a aprender as palavras que ouve, à medida que as relaciona com objectos
e ideias abstractas.
Pergunta-se: é a língua instintiva ou aprendida? Está na
cara que é instintiva. Mas implica aprendizagem. Falar é instintivo. Aprender a
falar uma das mais de seis mil línguas da Terra, exige muito trabalhinho.
Olaré!
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