Em Agosto de 2011, depois da polícia
matar um homem de 29 anos em Tottenham, nos subúrbios de Londres, multidões saíram
às ruas da cidade — e de outras povoações
inglesas — travando "combates"
violentos durante seis dias com as forças da ordem; o pior que se havia visto
numa geração.
O Primeiro-Ministro David Cameron,
falando à nação, referiu-se ao horror da violência e do vandalismo da multidão,
desencadeados "apenas" por uma morte, mesmo injusta que tenha sido.
E não deixou de chamar a atenção para a ameaça que constitui a psicologia da
multidão amotinada quando esta perde toda a racionalidade.
E era aqui que queria chegar, depois
de ler um artigo de Michael Bond, intitulado "A Intimidade das Multidões".
Nele, Bond interroga-se se as multidões amotinadas são constituídas por pessoas
que perderam de todo a racionalidade e se comportam sem qualquer norma ética,
solidária, humana, altruísta e por aí fora — é gente inesperada e subitamente "descerebrada"?
Há quem pense que não.
Quase sempre, em situações como a
relatada, existe um sentimento —
muitas vezes sub-consciente — que
já vem de trás. Aquelas multidões amotinadas são constituídas por pessoas com
sentimentos hostis à injustiça do enquadramento social envolvente — que controlam sofrivelmente no dia a dia — e que sentem grande solidariedade pelas pessoas que os protagonizam.
A maior parte do seu comportamento "amotinado" será movido mais por
essa generosa solidariedade que por violenta e irracional maldade.
Será?
A violência das claques de futebol,
por exemplo, decorre sem dúvida de comportamentos indesculpáveis dos seus
elementos, na grande maioria dos casos. Mas não há dúvida que está instalada, na
"cultura" dos seus membros, um sentimento de rivalidade/hostilidade/combatividade em
relação à polícia. O sentimento de "polícia-inimigo" vem quase sempre
de refregas anteriores. As hostilidades não são fruto, muitas vezes, de
situações ocorridas no momento, mas antes de ajuste de contas decorrentes de
coisas passadas, contadas, comentadas e "mastigadas" em conversas de
café. No fundo, na base dos embates com as forças policiais, haverá sobretudo um
sentimento solidário com o grupo — mais que irracionalidade (que também existe).
O psicólogo Clifford Stott,
investigador na Universidade de Leeds e grande
mentor deste ponto de vista, juntamente com os seus colaboradores, contactou a
PSP portuguesa antes do Euro 2004, realizado em Portugal. Apresentou a sua
teoria e convenceu os responsáveis a abordar o problema das claques duma forma
mais "amigável" e menos musculada; menos "anti-motim". Foi dada
formação em policiamento não-confrontacional (non-confrontational policing) e o resultado foi a completa ausência
de alteração da ordem pública nos jogos com a Inglaterra.
Naturalmente, não se pode levar
longe de mais a "moleza" da polícia. Mas compreende-se que só há vantagem
quando ela não personifica o principal "inimigo"
da tribo a que pertencemos. Disso não tenho dúvidas.
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