sexta-feira, 4 de junho de 2010

AS ITALIANAS

.
.
A esta hora fogem as que estiveram entre nós. Deixem-me porém fazer uma observação.
As italianas de que vou falar não são as mulheres de Itália, — são as mulheres da Ópera. Não nasceram para viver, — nasceram para cantar. Por isso andam cantando de país em país, e chegam no Inverno, quando a natureza emudece, partindo na Primavera, quando as andorinhas regressam . . . São ricas, opulentas, e todavia o mais que guardam na sua mão são os seus aneis de cabelo, as suas fitas e as suas rendas, coisas tão leves que o vento pode agitá-las. O tesouro delas está na garganta; lá é que guardam as notas que trocam em qualquer país, sem desconto, antes com o prémio das palmas e dos aplausos. Cantando atravessam o mundo, as tempestades sociais, os cataclismos da humanidade. Cabe-lhes perfeitamente a anedota que se conta do guitarrista Phillis, pai da célebre cantora do mesmo nome. Uma vez, durante o Terror, um magistrado chamou-o e perguntou-lhe:

— Como se chama?

— Phillis.

— Que faz?

— Toco guitarra.

— Que fazia no tempo do tirano?

— Tocava guitarra.

— Que vai fazer pela república?

— Tocar guitarra.

Elas também atravessaram todos os regimes, a república, a monarquia, a própria tirania, cantando, sempre cantando, sem que o imperador Guilherme recuse ouvi-las por haverem cantado na presença de Grant ou de Thiers. Constituem elas mesmas a única realeza perdurável, porque lá está a Sass em Madrid sendo rainha, vitoriada, festejada, aclamada, e todavia a Espanha acaba de emergir a fronte do baptismo republicano. [...]
.
Alberto Pimentel
in “Entre o Café e o Cognac"
.

Sem comentários:

Enviar um comentário