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Uma “revolução” (ou um pronunciamento militar) contra um
regime político ilegítimo é, por definição, legítima. Mas dela não deriva uma
legitimidade revolucionária. A legitimidade revolucionária não existe. Não
passa de um poder de facto.
Desde o primeiro momento que os “capitães de Abril” não
perceberam (ou mesmo rejeitaram) esta realidade. Quando saíram à rua, já
traziam um “programa” para Portugal, feito não se sabe por quem e largamente
copiado do programa do PCP. Não viram, ou viram bem de mais, que estavam assim
a substituir a sua vontade à vontade do país. Por outras palavras, que estavam
a criar uma nova ilegitimidade. Isto não os comoveu. Os putativos “valores” da
“revolução” serviram para justificar qualquer espécie de arbítrio ou de
violência.
Sob a tutela, e com a colaboração, do PC e da
extrema-esquerda, o MFA descolonizou, nacionalizou, ajudou a ocupar a terra no
Alentejo e no Ribatejo, “saneou”, onde o deixaram, personagens que não lhe
pareciam, e às vezes não eram, de confiança, censurou a imprensa e a televisão,
prendeu a torto e a direito, sem processo ou mandato, e acabou com uma campanha
que se destinava a desprestigiar e a suprimir a Assembleia Constituinte. Em
quase tudo, seguiu, letra a letra, o manual de Lenine. Quando, em 2014, as
“luminárias” da política, do jornalismo e da cultura e até a dra. Assunção
Esteves, a segunda figura do Estado, se esforçam por manifestar aos “capitães
de Abril” o seu “carinho”, o seu “afecto” e a sua “gratidão”, esquecem que,
entre os primeiros dias do Verão de 1974 e o “25 de Novembro” de 1975, não
existiu em Portugal verdadeira liberdade; e que só oito anos mais tarde os
portugueses conseguiram abolir a tutela militar do Conselho da Revolução.
O coronel Vasco Lourenço e os seus consócios querem agora
falar na Assembleia da República, presumivelmente para defender aquilo a que
chamam “ideais” de Abril, que, na sua douta opinião, o Governo anda por aí a
trair. Sucede que o Governo foi eleito e que nenhum título assiste aos
militares, que se consideram depositários de uma herança hoje desacreditada e
morta, para expender no Parlamento as suas frustrações. Verdade que a fúria
contra a “austeridade” vai tomando formas cada vez mais dúbias. Mas seria
intolerável que a República se comprometesse com um gesto que afectaria
gravemente a sua própria legitimidade.
O recado fica registado. Para os militares, cuja iliteracia é confrangedora, pelo menos dos que mais falam e se expõem; e também para os defensores da democracia que só "brincam" quando os seus correligionários estão no poder, no pleno uso da "ética republicana" e na posse plena de todos "brinquedos" do Estado: triciclos, bonecas, balões, piões, jogos, rebabá. Sobretudo jogos. Especialmente o "Monopólio".
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