A respeito dos métodos de planeamento familiar, agora em
foco depois do Papa ter usado uma imagem que deu volta ao mundo, a da
reprodução dos coelhos, Anselmo Borges escreve hoje no DN:
[...] Pessoalmente,
penso que se deverá ir mais longe. Concretamente, julgo que a Igreja se não
deve meter nestes assuntos. Depois, se se meter, terá de reflectir muito bem
sobre o que é natural e artificial. O que é a natureza? E a natureza humana? A
natureza não é fixa e imóvel. A natureza humana, embora não seja arbitrária, é
histórica. Pela sua própria natureza, o homem é interventivo e transformador da
natureza. A realidade toda não é estática, mas processual. Acabamos por viver
num natural já artificial, numa natureza transformada: intervimos de muitos
modos no nosso próprio corpo, com instrumentos médicos e artefactos. Em
terceiro lugar, mesmo os chamados métodos anticonceptivos naturais,
aparentemente os únicos aceites pela Igreja oficial, não são propriamente
naturais. Não foi o homem que os descobriu e os utiliza, pois eles não actuam
de modo cego?
Neste sentido, a
Igreja precisa de uma nova atitude face à sexualidade, nomeadamente neste
domínio. Era isso que pedia outro grande jesuíta, recentemente falecido, o
cardeal Carlo Martini, que confessou que a encíclica "Humanae Vitae",
em 1968, com a proibição da "pílula anticonceptiva", "é
co-responsável pelo facto de muitos já não tomarem a sério a Igreja como
parceira de diálogo e mestra", estando convencido de que "a direcção
da Igreja pode mostrar um caminho melhor do que o da encíclica". [...]
Sobre isto, recordo que há dias dizia eu ser bizantina a
distinção entre métodos anticonceptivos naturais e artificiais. Verifico que
Borges pensa o mesmo. Salvar uma vida através da implantação dum órgão, seja de
outra pessoa ou mecânico, também é artificial. É isso ilegítimo do ponto de
vista ético, filosófico, ou teológico? Não parece. Porque o é a pílula? Não
entendo!
Depois, chamo a atenção para o facto de que a actual
agitação na Igreja Católica sobre esta matéria é a que habitualmente precede as
mudanças de atitude—está na cara que, mais tarde ou mais cedo, a pílula vai ser
aceite pela Igreja. Alguns crentes já nem querem saber disso e usam-na tranquilamente.
Porquê, então, se mete ela nisto? Não entendo!
Com o devido respeito por todas as convicções, acho que a
Igreja, ao longo da História, tem perdido grandes oportunidades de estar
calada. Várias guinadas de supetão com o passar do tempo só têm contribuído
para perder credibilidade. Do alto da minha inferioridade, insignificância e
incompetência, digo que a igreja devia ficar-se por directivas gerais, deixando
os pormenores ao critério da consciência de cada crente. A filosofia cristã—ou
a religião cristã—não cabe em códigos, decretos, cartas apostólicas, diários do governo, despachos,
bulas, indulgências e outras coisas burocráticas—está muito acima disso tudo.
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