terça-feira, 5 de maio de 2015

FOGO QUE ARDE E SE VÊ

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Li hoje um artigo de Stephen J. Pyne, professor na Universidade de Arizona e autor do livro "Fire: Nature and Culture", que é uma peça deslumbrante. Por falta de engenho e arte, nem tento sitetizá-lo para não o trair mais do que vou fazer a seguir: traduzir algumas passagens. Traduttore traditore, eu sei, mas fica o mal que faço pelo bem que pretendo fazer. O original pode ser lido aqui.  

Dos antigos elementos, o fogo é o mais diferente. A Terra, a Água e o Ar são substâncias. O Fogo é uma  reacção—sintetiza compostos a partir de outros do ambiente envolvente e adquire existência a partir desse contexto. Arde duma maneira na turfa, de outra no capim ou no pinhal; é diferente na montanha e na planície; é rápido quando o ar é seco e ventoso; e pode não arder de todo quando está enevoado. É um travesti, ou shape-shifter.

Pelos fins do Século XVIII, caiu do pedestal e iniciou uma carreira decadente, como capítulo secundário da Química e da termodinâmica e preocupação para tecnologias aplicadas, como a cultura florestal. Nunca mais teve integridade intelectual: foi considerado derivado doutros princípios mais fundamentais. Quando, como fogo aberto, começou a retirada da vida quotidiana, iniciou uma longa recessão na vida das mentes.

A natureza fundamental do fogo depende do mundo vivo. A vida criou o oxigénio que o fogo precisa e gerou os combustíveis. A química do fogo é bioquímica. O fogo liberta a energia que a fotossíntese  juntou. Quando isso acontece nas células, chamamos-lhe respiração. Quando acontece  no mundo selvagem, chamamos-lhe  fogo.

Alguns lugares ardem rotineiramente; outros episodicamente; poucos só raramente. O ritmo básico é molhado/seco. A paisagem tem de ser húmida bastante para produzir combustíveis e seca quanto baste para permitir que eles ardam. A areia do deserto não arde porque nada lá cresce. As florestas tropicais também não ardem, a menos que vento seco dissipe a humidade.

Os ecologistas falam do fogo nos mesmos termos que falam doutros fenómenos catastróficos, como tufões e tempestades de gelo. Faz mais sentido vê-lo como catalisador ecológico. Cheias e ciclones podem ocorrer sem uma partícula de vida presente; o fogo não—literalmente, brota dos hidrocarbonetos.  Do mesma modo que a atmosfera e a biosfera mudaram com a chegada do oxigénio, e a fauna e flora esculpiram a biomassa em novas formas, também o fogo mudou, ganhando novas espécies.

Então, uma criatura nova chegou para mudar o equilíbrio a favor do fogo. Não sabemos quando os hominínios adquiriram a capacidade de manipular o fogo, mas sabe-se que o Homo erectus podia controlá-lo e, com o advento do Homo sapiens, os hominínios podiam produzi-lo à vontade.

Conservamos o fogo como nosso monopólio. Não o partilhamos com nenhuma outra espécie. Outras criaturas sobem às árvores, cavam túneis no solo, ou caçam—nós fazemos o fogo. É a nossa assinatura ecológica.
Substituímos  o gelo, com o qual pouco podíamos fazer, pelo fogo, com o qual, aparentemente, podemos fazer tudo. 
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