domingo, 9 de setembro de 2012

A RÊTÊPÊ QUE MERECEMOS

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Política é um conflito de interesses disfarçado de divergência de princípios—a condução dos negócios púbicos em proveito de privados.
Ambrose Bierce


[...] Algumas "personalidades", invariavelmente da política ou da "cultura", exprimiram-se a título individual e proclamaram que bulir no corrente modelo de "serviço público", no qual uns se servem e o público paga, constitui: um atentado; um problema fracturante; uma pouca-vergonha; um golpe brutal; uma fraude; um acto ilegítimo; uma negociata; uma inconstitucionalidade, uma ameaça à soberania nacional.
Quem nos olhasse de fora acharia que uma nação cuja soberania depende dos programas do sr. Malato, de noticiários manipulados por sucessivos governantes e de reposições de séries americanas transmitidas dois anos antes pela Fox não se aguentaria por muito mais tempo. Por sorte, sendo frágil em matéria televisiva, Portugal, ou a indignação dos portugueses, é imperturbável no que respeita ao resto.
É óbvio que perturbar a RTP suscita um drama. Mas estrafegar as contas públicas, por exemplo, não maça ninguém. E ninguém subscreve manifestos contra o "investimento" estatal, leia-se sufocar a economia com impostos e corrompê-la mediante a redistribuição calculada dos mesmos. Ninguém reputa de fraudulenta a destruição sistemática do sistema de ensino, de que as Novas Oportunidades foram o mero apogeu. Ninguém julga uma pouca-vergonha o caldo de compadrios e boçalidade a que por cá se chama poder autárquico. Ninguém considera ilegítima a negociata das energias "renováveis", que só se renovam à custa do contribuinte. E decididamente ninguém acusa de inconstitucional a proeza de deixar a nação à míngua e à esmola, para cúmulo a juros elevados. Ninguém, ou quase ninguém, o que no caso é exactamente igual.
Inconformado, Mário Soares pergunta: se se vender a RTP (e a TAP, e maravilhas públicas similares), o que é que fica do nosso país? Fica o que a democracia de que o dr. Soares é um adequado pai permitiu que escapasse à paternidade do Estado: um deserto, igualzinho ao actual excepto na poupança de centenas de milhões de euros e o lamentável sumiço do sr. Malato. 
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Alberto Gonçalves in "Diário de Notícias"
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