segunda-feira, 10 de setembro de 2012

BREVE NOTA SOBRE O CARUNCHO

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Há dois dias, escrevia eu que "O Primeiro-Ministro anuncia com precisão milimétrica aquilo que tira a trabalhadores e pensionistas. Mas no que ao capital se refere é vago e fica-se pelo anúncio duma carta de intenções que será seguramente concisa, precisa e incisa bastante para incluir milhares de excepções que ninguém entende, nem o escritório de advogados que a vai redigir, e em que ninguém paga nada, mas antes recebe—uma lástima! O que vai acontecer ao princípio de equidade exigido pelo Tribunal Constitucional?"
Ontem a Associação Sindical dos Juízes Portugueses—instituição que não devia existir, diga-se em aparte—declarava que "as novas medidas de austeridade anunciadas pelo Governo são uma afronta ao Tribunal Constitucional, considerando que penalizam mais uma vez os rendimentos do trabalho".
Ontem também, Francisco van Zeller, ex-presidente da CIP, falava em "Dar dinheiro a empresas gigantes que não precisam".
E o Professor Martelo era mais directo: "Fiquei gélido por ouvir Passos Coelho só contar uma parte da história—os cortes 'ao mexilhão'—e não explicar ou dizer quais as medidas a aplicar aos outros, desde logo no próprio Estado. Quando está a pedir sacrifícios ao 'mexilhão', tem de explicar o que faz aos outros".  E acrescentava: "Falta saber tudo para saber se há justiça e equidade nos sacrifícios pedidos pelo Tribunal Constitucional no acórdão sobre o orçamento deste ano, pois o discurso do primeiro-ministro é vaguíssimo em partes fundamentais".
Passos Coelho não nasceu mau tipo—acho que até nasceu bom, como Tozé Seguro, Guterres e mais alguns políticos meia-tigela da nossa constelação. Mas naquele meio, a sacanice infiltra-se num homem, como o caruncho se infiltra na madeira—até no carvalho. Um homem bem intencionado não resiste um ano às larvas que invadem os gabinetes ministeriais, tal como a areia da tempestade do deserto invade até ao carvalho.
É a praga transmitida por múltiplos vectores, numa cadeia complexa, em que há vários aventais envolvidos e sempre um avental importante no fim, às vezes  configurando santos, quer podem ser de Almeida ou não, raposos ou zorrinhos, ou ainda relvados ou relvas. Ninguém lhes escapa!
Quando a infestação do caruncho é recente, pode resolver-se tapando os buracos da madeira onde começam os túneis das larvas. Mas Portugal está tão esburacado que já não se sabe o que é buraco ou madeira sã; e Passos Coelho está irremediavelmente esburacado.
Vai ter um lindo enterro político. De certeza!...
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