Há dois dias, escrevia eu que "O Primeiro-Ministro anuncia com precisão milimétrica aquilo que tira a trabalhadores e pensionistas. Mas no que ao capital se refere é vago e fica-se pelo anúncio duma carta de intenções que será seguramente concisa, precisa e incisa bastante para incluir milhares de excepções que ninguém entende, nem o escritório de advogados que a vai redigir, e em que ninguém paga nada, mas antes recebe—uma lástima! O que vai acontecer ao princípio de equidade exigido pelo Tribunal Constitucional?"
Ontem
a Associação Sindical dos Juízes Portugueses—instituição que não devia existir,
diga-se em aparte—declarava que "as
novas medidas de austeridade anunciadas pelo Governo são uma afronta ao Tribunal
Constitucional, considerando que penalizam mais uma vez os rendimentos do
trabalho".
Ontem também, Francisco van Zeller, ex-presidente da CIP,
falava em "Dar dinheiro a empresas gigantes que não precisam".
E o Professor Martelo era mais directo:
"Fiquei gélido por ouvir Passos Coelho só contar uma parte da história—os
cortes 'ao mexilhão'—e não explicar ou dizer quais as medidas a aplicar aos
outros, desde logo no próprio Estado. Quando está a pedir sacrifícios ao 'mexilhão',
tem de explicar o que faz aos outros".
E acrescentava: "Falta saber tudo para saber se há justiça e
equidade nos sacrifícios pedidos pelo Tribunal Constitucional no acórdão sobre
o orçamento deste ano, pois o discurso do primeiro-ministro é vaguíssimo em
partes fundamentais".
Passos Coelho não nasceu mau tipo—acho que até nasceu bom,
como Tozé Seguro, Guterres e mais alguns políticos meia-tigela da nossa
constelação. Mas naquele meio, a sacanice infiltra-se num homem, como o
caruncho se infiltra na madeira—até no carvalho. Um homem bem intencionado não
resiste um ano às larvas que invadem os gabinetes ministeriais, tal como a areia da tempestade do deserto invade até ao carvalho.
É a praga transmitida por múltiplos vectores, numa cadeia
complexa, em que há vários aventais envolvidos e sempre um avental importante
no fim, às vezes configurando santos,
quer podem ser de Almeida ou não, raposos ou zorrinhos, ou ainda relvados ou
relvas. Ninguém lhes escapa!
Quando a infestação do caruncho é recente, pode
resolver-se tapando os buracos da madeira onde começam os túneis das larvas.
Mas Portugal está tão esburacado que já não se sabe o que é buraco ou madeira
sã; e Passos Coelho está irremediavelmente esburacado.
Vai ter um lindo enterro político. De
certeza!...
.
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