Não há notícia de
nenhuma cultura—antiga ou moderna—que não cultive e aprecie a arte.
Povos muito primitivos pintavam e pintam as paredes das habitações e a pele, usam
ornamentos no corpo, sejam colares, pulseiras, brincos, ou o que lhes lembra, tocam música e
dançam, admiram o céu estrelado, constroem fábulas sobre ele, rebabá. Há alguma
razão porque a evolução apurou o sentido estético no homem, razão não muito bem
conhecida.
Aparentemente, a contemplação da arte não o favorece,
especialmente em enquadramentos perigosos, ao reduzir a vigilância. Consumir tempo
e energia em coisas desnecessárias sai caro evolutivamente. Contudo, foi a
selecção natural que depurou o animal que somos, consumidor de arte, seja na
escolha da camisa, na da cor das cuecas, na contemplação da "Noite Estrelada"
de van Gogh, ou na escuta do "Bolero de Ravel". Porquê, isto? Do
ponto de vista evolutivo, esteticamente, devíamos ser uns calhaus e não somos.
Há uma teoria sobre isto, de Mohan Matthen,
professora de Filosofia na Universidade de Toronto. O homem tem à nascença
percepções muito cruas e primárias. Vê o mundo em duas dimensões e, quando há
mais que um som, tem dificuldade em separá-los, quanto à origem e significado,
por exemplo. É a olhar e a ouvir que apura a visão tridimensional e a audição
polifónica. Aprende a distinguir o som do tambor do das maracas e a perceber
que entre ele e a margem oposta do rio há um curso de água, sem olhar para os
instrumentos, nem entrar na água.
E, tal como consegue caminhar tanto melhor quanto mais
caminhar e falar quanto mais falar, quanto mais exercita os sentidos na contemplação
da arte, melhor percepção e conhecimento tem do mundo. Assim, a arte não será consumo
inútil de energia do ponto de vista evolutivo. Pelo contrário, constitui forma
de tornar o macaco nu mais apto para sobreviver no planeta do dito. Portanto,
continuemos a ouvir regularmente Quim Barreiros, a ver com atenção a arte
australopiteca dos graffiti, e a ler assiduamente a prosa depurada do Dr. Soares. Vamos bem por aí.
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