A discriminação de raças, de religiões, de convicções
políticas é geralmente considerada condenável; mas a discriminação de pessoas
feias passa incólume na sociedade actual. Nem sequer é falada, mas existe—embora
possa ser inconsciente. Ocorre na avaliação de alunos por professores, nas
decisões judiciais, sobretudo quando há júris, na eleição de políticos, na
selecção de candidatos a emprego e por aí fora.
O problema não é actual. Era notório e assumido na
Grécia clássica. Dizia o historiador suíço Jacob Burckhardt que os gregos não só eram
enviesados pela beleza, como exprimiam convictamente o seu valor e
manifestavam-no claramente na arte. Na Ilíada, quando Tersites põe em causa a autoridade de Agamémnon, Ulisses atira-lhe: "De todos os que aqui
vieram, não há nenhum homem mais feio que tu"—Tersites tinha joelhos
varos, era coxo dum pé, marreco e parcialmente calvo, com algum cabelo que
parecia uma ovelha mal tosquiada. A estatuária grega é o que sabemos:
imortaliza os atletas em formas de quase deuses. E o viés era tão notório que
chegava ao ponto de pouparem a vida a soldados inimigos, quando impressionados
pela sua beleza.
Sócrates—o genuíno, não o Zezito!—era feio, dizem, e opunha-se
a tal critério, naturalmente. Opinava que a verdadeira beleza era espiritual e
assim seduzia rapazinhos bem parecidos, alguns lamentando mesmo a sua falta de
beleza mental.
Julgar pessoas pela beleza é como avaliar um livro
pelo aspecto da capa. É verdade. Mas Nietzsche, que era esperto e cínico, dizia
a propósito: "Não há melhor maneira, para uma personagem se vingar da
cultura que toma a beleza por nobreza, senão redefinir a beleza como qualidade
interior possuída apenas por intelectuais". A favor de Sócrates—não o Zezito!—Nietsche
admitia que a superioridade intelectual traz felicidade e esta traz a beleza. É
verdade. Todos conhecem carinhas larocas, estúpidas e más como meteoritos. Tal
é fatal, para pôr um pouco de rima na conversa. George Orwell dizia—e muito
bem, acrescentaria o Dr. Soares—que aos 50 anos, todos têm a cara que merecem.
É isso mesmo—a natureza a trabalhar de dentro para fora!
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