Quando a personagem de Shakespeare fala em "o que" — what em inglês — refere-se a uma coisa e coisa não é nada, tal como na definição do dicionário. Nada não pode ser uma coisa, porque nada exclui tudo, incluindo todas as coisas.
Podemos tentar ir lá pelo método da exclusão sucessiva:
pensamos no universo e vamos progressivamente esvaziando-o de tudo — primeiro a
Terra e o Sol, depois a Lua, as outras estrelas, os outros planetas, as
galáxias, o gás, a poeira espacial, blá, blá, blá. Pronto, eis o nada. Mentira
— ainda lá está a nossa consciência, que não conseguimos eliminar! Foi Bergson
quem tentou chegar ao nada através da aniilação universal, mas concluiu que no
fim das experiência ainda ficava o seu eu.
Além disso, persiste o contentor: eliminámos o conteúdo,
mas o contentor ficou. Para resolver o imbróglio, usamos um truque geométrico e
convertemos o espaço numa esfera de rádio zero. O truque é de legitimidade
duvidosa; e é discutível se resolve o problema — a esfera de rádio zero existe,
ou não? Se existe, e parece existir, não é nada.
Por outro lado, o nada é um facto, os factos existem —
caso contrário não eram factos — e, assim, quando
já não há mais nada, ainda há o facto nada.
Leonardo da Vinci, que não me parece muito tolo, disse um
dia: "Entre as grandes coisas que existem entre nós, o Nada é a maior".
Soa a boutade tipo Oscar Wilde mas, pensando bem, não é. Afinal o nada não tem
limite. É o universo infinito? Talvez não seja; mas, se é, o nada também é. E,
em termos de infinidade, há comparações possíveis? Há coisas "mais
infinitas" que outras? Leonardo da Vinci achava que sim, pelo citado — para
ele, o nada seria a maior infinidade.
Chegados aqui, e recapitulando a pergunta de Heidegger na
"Introdução à Metafísica" — "Porque
há alguma coisa, em vez de absolutamente nada?" — dir-se-á que o nada não é alternativa às coisas, por ser ele
também uma coisa. E, se o nada é uma coisa, a pergunta de Heidegger
estaria melhor colocada se fosse simplesmente: "Porque há alguma coisa?"
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(Aos que se preocupam com a minha saúde mental, posso dizer que, por enquanto, estou bem. Só que gosto de especulação de vão de escada)
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