sexta-feira, 10 de agosto de 2012

NADA — NEM RASPAS !


À pergunta, "O que é nada?", Macbeth responde: "Nada é apenas o que não é". Os dicionários dizem parecido — "Nada é uma coisa que não existe". A pessoa lê e passa à frente porque a matéria não parece muito estimulante. Mas é! Porque nem Macbeth, nem os dicionários, dizem coisa com coisa, literalmente.
Quando a personagem de Shakespeare fala em "o que" — what em inglês — refere-se a uma coisa e coisa não é nada, tal como na definição do dicionário. Nada não pode ser uma coisa, porque nada exclui tudo, incluindo todas as coisas.
Podemos tentar ir lá pelo método da exclusão sucessiva: pensamos no universo e vamos progressivamente esvaziando-o de tudo — primeiro a Terra e o Sol, depois a Lua, as outras estrelas, os outros planetas, as galáxias, o gás, a poeira espacial, blá, blá, blá. Pronto, eis o nada. Mentira — ainda lá está a nossa consciência, que não conseguimos eliminar! Foi Bergson quem tentou chegar ao nada através da aniilação universal, mas concluiu que no fim das experiência ainda ficava o seu eu.
Além disso, persiste o contentor: eliminámos o conteúdo, mas o contentor ficou. Para resolver o imbróglio, usamos um truque geométrico e convertemos o espaço numa esfera de rádio zero. O truque é de legitimidade duvidosa; e é discutível se resolve o problema — a esfera de rádio zero existe, ou não? Se existe, e parece existir, não é nada.
Por outro lado, o nada é um facto, os factos existem — caso contrário não eram factos — e, assim,  quando já não há mais nada, ainda há o facto nada.
Leonardo da Vinci, que não me parece muito tolo, disse um dia: "Entre as grandes coisas que existem entre nós, o Nada é a maior". Soa a boutade tipo Oscar Wilde mas, pensando bem, não é. Afinal o nada não tem limite. É o universo infinito? Talvez não seja; mas, se é, o nada também é. E, em termos de infinidade, há comparações possíveis? Há coisas "mais infinitas" que outras? Leonardo da Vinci achava que sim, pelo citado — para ele, o nada seria a maior infinidade.
Chegados aqui, e recapitulando a pergunta de Heidegger na "Introdução à Metafísica" — "Porque há alguma coisa, em vez de absolutamente nada?" — dir-se-á que o nada não é alternativa às coisas, por ser ele também uma coisa. E, se o nada é uma coisa, a pergunta de Heidegger estaria melhor colocada se fosse simplesmente: "Porque há alguma coisa?"
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(Aos que se preocupam com a minha saúde mental, posso dizer que, por enquanto, estou bem. Só que gosto de especulação de vão de escada)

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