[...] Pouco se fala nele, mas foi quem deu forma, tanto ao ultraliberalismo como ao minissocialismo. Refiro-me ao endividualismo, isto é, ao novo tipo de individualismo de massas que nas últimas décadas mudou todas as regras do jogo político. [...]
[...] O endividualismo representa o apogeu jubilatório do
indivíduo que se realiza pelo crédito, isto é, pela dívida. Ele tornou-se, no
mundo de hoje, no pilar mais generalizado - e talvez no mais resistente! -
deste paradigma em crise. Ele decorre da afirmação sem limites dos direitos dos
indivíduos, da progressiva identificação do direito com a proteção da esfera do
privado e da rasura sem precedentes das referências a valores ou convicções de ordem
coletiva. [...]
[...] O
endividualismo foi contudo viabilizado e estimulado - ao contrário do que se
diz e por mais paradoxal que tal pareça a muitos - pela poderosa afirmação de
um Estado social que, libertando pela primeira vez na história os indivíduos da
necessidade de terem de preparar o seu futuro e o dos seus (garantindo-lhes
reformas, educação, saúde, etc.), o tornou um soberano cada vez mais centrado
em si próprio. [...]
Quem escreveu
isto? Informo desde já que não fui eu porque não tenho estudos para tanto.
Saibam os incautos que me lêem, se não sabiam antes, que foi o Professor Manuel
Maria Carrilho, ilustre militante socialista e ex-ministro de dois governos
socialistas chefiados por António Guterres, expoente da defesa do Estado
social, da realização do indivíduo pelo crédito, da afirmação sem limites dos
direitos dos indivíduos. É verdade! No “Diário de Notícias” de hoje, escreve
isto e ainda mais.
Asnear e reconhecer
o fenómeno é manifestação de inteligência; inteligência insuficiente para
evitar a asneação prévia, mas bastante para a identificar depois. E também acto
de humilde contrição que se aprecia, quando não é assumpção insolente de que os
outros são parvos.
Para quem tem um
nanograma de senso, sempre foi evidente que o “ter aquilo a que se tem direito”
é o caminho mais curto entre o estado de equilíbrio financeiro e a insolvência.
Infelizmente, o cidadão comum tem pouca percepção do fenómeno, atenuante a
considerar. Fomentar o Estado o endividualismo, para usar a expressão de Carrilho,
é um crime político e social. Parafraseando Talleyrand, pior que um crime, é um erro estúpido. Tal e qual!
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