Dizer, como se disse em tempos, que o movimento ondulatório da luz se propaga num meio chamado "éter", por analogia com as ondas aquáticas e sonoras que se propagam em meios materiais, é confabulação porque não existe "éter" nenhum. Acontece, simplesmente, que a luz pode propagar-se no vácuo.
Dir-se-á então que confabulação é coisa de mentirosos, trapalhões
e ofícios correlativos; mas não é: todos confabulamos diariamente. Peço
desculpa pela indelicadeza, mas o leitor também confabula, se a existência do
leitor a quem me dirijo neste preciso momento não for confabulação minha. Confabulamos
em quê? Passo a explicar porque é simples.
Ninguém conhece verdadeiramente a causa do comportamento que
tem. Todos têm explicação para o que fazem, mas é tudo inventado e quase sempre
incompleto e parcialmente falso. Vou contar um fenómeno do domínio da Neurociência
que ajuda a perceber o que digo.
Os dois hemisférios
cerebrais estão ligados e há funções da actividade mental que dependem simultaneamente
de centros situados em ambos os lados.
Por vezes, a conexão bilateral é interrompida por actos cirúrgicos ou acidentes.
Mostrando uma fotografia engraçada, uma anedota, ou outra coisa qualquer
parecida a um doente desses, ele ri. Esta resposta depende do hemisfério
direito. Se lhe perguntarmos porque ri, ele sabe que está a rir mas, como a
explicação depende do outro hemisfério, não sabe porquê. Então, confabula e diz
que se ri porque lhe contamos coisas divertidas.
Isto acontece diariamente a gente dita normal. Há comportamentos que são determinados por
fenómenos subconscientes ou inconscientes, sem que tenhamos noção disso. Mas
estamos sempre prontos a explicá-los com os melhores argumentos e excelentes
razões. E o mais curioso é que acreditamos no que dizemos. À falta de
explicação, como o doente com dissociação dos hemisférios, arranjamos uma que
esteja à mão e já está. Convenhamos que somos um bocado toscos!
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