Nos confins do globo, nas regiões árcticas, ao tocarmos as últimas zonas habitadas, toma a existência proporções fabulosas. Expiram, ali, todas as ousadias, todos os cometimentos, todas as aspirações dos mais intrépidos navegadores.
É longo o obituário
dos homens ilustres, que têm perecido, abandonados, nestas epopeias ignoradas.
Seriam famosas as crónicas, onde se compendiassem as façanhas, os esforços
heróicos, as lutas incessantes, e a coragem inexcedível dos mártires, que vão perdendo
a vida em busca daquelas solidões polares.
Todas as proezas
que a antiguidade nos narra: os doze trabalhos de Hércules, a entrada no
formoso jardim das Hesperides, as excursões em demanda do velocino de ouro, o ousado
empenho de transpor o labirinto de Creta, o maravilhoso e demorado cerco de Tróia,
a viagem aventurosa de Ulisses procurando a pátria, a retirada heróica de dez
mil gregos pelo interior da Ásia, as conquistas de Alexandre, as invasões de
Sesostris, a fundação de Esparta, de Atenas, de Roma, e de Cartago—finalmente
as narrações de Homero, Xenofonte, Herodoto, Diodoro, Tucidides, Quinto Curcio,
Tito Lívio, Plutarco, e Eutropio, e ainda as criações grandiosas, que remontam
aos tempos pre-históricos dos vedas, do Maha-Bharata, do Ramaiana, do Kalidasa,
e do Boudha Sakya-Mouni, todos estes mitos, todas estas epopeias, todas estas lendas,
todas estas lutas titânicas, todas estas épicas aventuras são débeis esforços,
limitadíssimos exageros, vagas e triviais descrições, em presença dos arrojos
de Vasco da Gama, de Pedro Alvares Cabral, de Cristóvão Colombo, de Américo Vespucio, de Magalhães, de
Franklin, de Cooper, e de não sei quantos outros navegadores e descobridores
temerários, que têm avassalado os dois oceanos, indo, alguns deles, povoar, com
os seus esqueletos, as regiões remotas dos gelos polares.
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Camilo Castelo
Branco in “Noites de Insónia”
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