sexta-feira, 8 de junho de 2012

TRECHOS ESCOLHIDOS

.
Nos confins do globo, nas regiões árcticas, ao tocarmos as últimas zonas habitadas, toma a existência proporções fabulosas. Expiram, ali, todas as ousadias, todos os cometimentos, todas as aspirações dos mais intrépidos navegadores.
É longo o obituário dos homens ilustres, que têm perecido, abandonados, nestas epopeias ignoradas. Seriam famosas as crónicas, onde se compendiassem as façanhas, os esforços heróicos, as lutas incessantes, e a coragem inexcedível dos mártires, que vão perdendo a vida em busca daquelas solidões polares.
Todas as proezas que a antiguidade nos narra: os doze trabalhos de Hércules, a entrada no formoso jardim das Hesperides, as excursões em demanda do velocino de ouro, o ousado empenho de transpor o labirinto de Creta, o maravilhoso e demorado cerco de Tróia, a viagem aventurosa de Ulisses procurando a pátria, a retirada heróica de dez mil gregos pelo interior da Ásia, as conquistas de Alexandre, as invasões de Sesostris, a fundação de Esparta, de Atenas, de Roma, e de Cartago—finalmente as narrações de Homero, Xenofonte, Herodoto, Diodoro, Tucidides, Quinto Curcio, Tito Lívio, Plutarco, e Eutropio, e ainda as criações grandiosas, que remontam aos tempos pre-históricos dos vedas, do Maha-Bharata, do Ramaiana, do Kalidasa, e do Boudha Sakya-Mouni, todos estes mitos, todas estas epopeias, todas estas lendas, todas estas lutas titânicas, todas estas épicas aventuras são débeis esforços, limitadíssimos exageros, vagas e triviais descrições, em presença dos arrojos de Vasco da Gama, de Pedro Alvares Cabral, de  Cristóvão  Colombo, de Américo Vespucio, de Magalhães, de Franklin, de Cooper, e de não sei quantos outros navegadores e descobridores temerários, que têm avassalado os dois oceanos, indo, alguns deles, povoar, com os seus esqueletos, as regiões remotas dos gelos polares.
.
Camilo Castelo Branco in “Noites de Insónia”
.

Sem comentários:

Enviar um comentário