No dia 17 de Fevereiro de 1673, Molière interpretava o
papel de Argan, o hipocondríaco de "O Doente Imaginário" e, no fim do
último acto, foi acometido por um acesso de tosse e caiu prostrado no palco. A
assistência aplaudiu, riu e pensou tratar-se de mais um truque da personagem.
Molière sofria de tuberculose e morreu poucas horas depois.
Quem nada em certos mares pode ter por baixo um perigoso
tubarão capaz de o matar logo ali. Há pessoas que não pensam nisso, mas há quem
pense e até nem tome banho por essa precisa razão — mesmo com pequena probabilidade de ser atacado.
E há também quem, irracionalmente, tome
banho nuns dias e noutros não.
Todos temos ideia, mais ou menos detalhada, dos nossos
órgãos e como funcionam. E também que é uma coisa complicada tal geringonça,
difícil de compreender porque não tem mais avarias — a verdade é que, para
minha surpresa, tem poucas. Assim, há o que confia e acha que corre tudo bem e,
se não correr, o médico resolve. E há o que não confia em nada, nem nos órgãos,
nem nos sistemas, nem nos aparelhos, nem no médico — é o hipocondríaco. Para
ele, a notícia da doença do vizinho, da prima, do colega de trabalho, da morte
do actor conhecido ou do político com 98 anos, só confirma a qualidade
periclitante do organismo humano, em particular, e de todos os seres vivos em
geral, incluindo o periquito, o gato, o papagaio e a árvore da borracha que tem no vaso da
marquise. É doente, diz-se.
O hipocondríaco nada num mar onde há tubarões e sabe que
os tubarões estão lá. E o pior é que estão de facto. Bem vistas as coisas, o
hipocondríaco talvez não esteja tão fora da razão como se diz. É doente, sem
dúvida, porque sofre. Mas fora da razão não sei. Todos temos de escolher entre
Molière e Argan e a escolha é difícil. Muito difícil!
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