sábado, 17 de março de 2012

OS PIRAHÃ

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Li hoje um texto da autoria do linguista Daniel Everett, antigo missionário evangélico no Brasil junto dos índios da tribo Pirahã, de que talvez fale amanhã. Trata duma característica importante das línguas, a recursão. Hoje queria apenas referir alguns factos interessantes que Everett conta sobre os Pirahã.
Depois de aprender a língua, Everett começou a contar-lhes passagens da Bíblia em sessões a que eles assistiam disciplinadamente, mas sem mostrar qualquer interesse. Everett interrogava-se se estariam a perceber o que lhes queria dizer, ou se estaria a fazê-lo de forma incomprópria. Até que um dia foi abordado por um deles que lhe perguntou qual era a cor de Jesus, de que altura era, e quando ele lhe tinha contado aquelas coisas. Everett ficou atrapalhado e respondeu que, na verdade, nunca tinha visto Jesus e não sabia de que cor era, nem se era alto ou baixo. O índio olhou para ele com espanto e disse: então, se nunca o viste, porque nos andas a contar essas histórias? Aí, o missionário constatou que, perante o empirismo dos Pirahã - só acreditam perante provas de cada afirmação – nunca tinha pensado muito cientificamente acerca das suas crenças.
Além disso, faz parte daquela cultura nunca usar a coesão, ou seja, nunca dizer aos outros, mesmo às crianças, o que devem fazer. É considerada atitude reprovável, eventualmente porque a acham ofensiva ou indelicada. Nunca algum missionário conseguiu converter um Pirahã. Primeiro porque não têm o conceito de Deus. Nunca pensaram nisso, ao contrário de quase todos os povos primitivos, nem querem pensar. Depois porque as religiões que os missionários lhes levam estão cheias de preceitos e normas a cumprir e isso não lhes cai bem.
Outra vez, um perguntou-lhe: Que é que o vosso Deus faz? Everett respondeu-lhe que Deus tinha feito as estrelas e a Terra e perguntou-lhe o que achava. O homem olhou para ele e disse filosoficamente: Ninguém fez essas coisas. Elas sempre cá estiveram.
Com uma cultura extremamente conservadora de que se orgulham e não querem mudar, não mudam eles, nem mudam o meio ambiente. Incapazes de fazer uma canoa, mesmo quando os ensinam a fazê-la, se precisam de ir ao rio pescar, ou passar à outra margem para caçar, montam-se num tronco de árvore e lá vão conforme podem. E mostram o maior desprezo pelo que consideramos progresso da nossa civilização. Everett levou alguns de avião para receberem assistência médica e, se lhes chamava a tenção para o fenómeno, apesar de nunca terem posto os pés no pássaro de ferro, mostravam o maior desinteresse por toda aquela cangalhada.
Não sei quem são os parolos: se os Pirahã, se nós. Não sei, mas inclino-me para que os pategos sejamos nós.
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