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E sofro sem saber de que Arte
se ocupam as pessoas mortas.
Cecília Meireles
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Dizia ontem que somos coisas acidentais e podíamos
facilmente não ter existido, facto comprovável por contas feitas nas costas dum
envelope. Mas sendo contingente o
nascimento, o mesmo não é a morte—nunca falha. Viemos do nada e ao nada
voltamos.
Antes de nascer, não sabíamos o que era ser e,
consequentemente, não tínhamos opinião. Depois de experimentar, não queremos
deixar de ser, embora fosse aí que começámos. Experimentámos e gostámos! Até quem
vive mal prefere viver assim a não viver.
Freud dizia que não conseguia conceber a sua morte—mas
finou-se como toda a gente.
Goethe filosofava: "É completamente impossível
para um ser pensante conceber a própria não existência, o fim da vida e do
pensamento". E acrescentava, com esperança talvez, "Desta forma todos
têm dentro de si, inconscientemente, a prova da sua imortalidade". Chamam
a isto falácia dos filósofos e acho bem chamado.
Lucrécio Caro bazofiava: "Custa o mesmo aceitar a não
existência depois da morte como a não existência antes do nascimento"—ganda Lucrécio!
E David Hume tinha cartão do mesmo clube: "A não existência
póstuma não assusta mais que a não existência pré-natal". Interrogado um
dia se o desaparecimento de tudo o aterrava, respondeu: "Nem um
pouco"—ganda David!
Sócrates, antes de beber a cicuta, explicava aos amigos: "A
morte é como um sono sem sonho; ou pode ser a migração da alma duns locais para
outros—nada a recear".
Cícero considerava tais tiradas filosóficas tentativas de aprender
a morrer—está na cara que são. E há
ainda os que dizem: "Porque hei-de ter medo da morte, se Sócrates e Hume
não tinham?"—esta, então, é de rebenta canelas!
Menos filosoficamente, o que mete medo na morte é perder o que a
vida dá, o melhor que conhecemos. Tal e qual! Sei que há vidas muito más; mas,
surpreendentemente, afiguram-se mais aceitáveis que não as ter! Miguel de
Unamuno escreveu assim no "Del Sentimiento Trágico de la Vida":
Confesso—difícil
como é confessar tal—que mesmo nos dias da minha fé simples da juventude, nunca
tremi com as descrições do fogo do Inferno, por mais assustadoras que fossem, porque sempre achei a ideia do nada mais aterradora que o Inferno. Quem sofre e quem vive em sofrimento ainda ama e espera, mesmo
quando tem escrito no portal da sua morada "Abandona toda a Esperança!"
E é melhor viver em dor que cessar de ser pacificamente. A verdade é que não
podia acreditar nesse Inferno atroz, uma eternidade de castigo, nem conseguia
imaginar Inferno mais autêntico que o nada e a perspectiva dele.
Acho Unamuno baril. Estou com ele, mas agora vou acabar,
com a esperança que alguém tenha chegado até aqui. Se chegou, agradeço o
esforço. Outro dia voltarei ao tema, em dose mais moderada.
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