quinta-feira, 6 de agosto de 2015

SER OU NÃO SER ANTI-

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António Coutinho é presidente da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa e foi director do Instituto Gulbenkian de Ciência (1998-2012). No último número do jornal online "Observador", escreve um artigo sobre transgénicos que vale a pena ler. Procurando não atraiçoar o seu pensamento, transcrevo a seguir alguns trechos da referida peça que me parecem suficientes para resumir a posição de Coutinho. (O artigo pode ser lido na íntegra aqui)

[...] A invenção da agricultura há uns 10.000 anos foi dos passos mais críticos na história da humanidade, permitindo entre muitas outras coisas, a sedentarização, a emergência das cidades e da cultura, da filosofia e da ciência.[...]

[...] Se as primeiras espécies cultivadas parece terem resultado de “acidentes genéticos” naturais, ao longo destes milénios os agricultores têm vindo a proceder paciente e sistematicamente, ao “melhoramento” das espécies cultivadas ou domesticadas, seleccionando plantas mais resistentes a pragas e variações climáticas, que produzem mais e melhores frutos, sementes ou raízes, ou seleccionando animais mais inclinados a co-habitar com o homem, que produzem mais carne, gordura ou leite. [...]

[...] De resultados por vezes inesperados, o processo de melhoramento genético das variedades domesticadas foi, sobretudo, um trabalho paciente e lentíssimo, pois muitas gerações são habitualmente necessárias para “melhorar” uma qualquer característica do animal ou planta seleccionados. [...]

[...] Nos últimos 20 ou 30 anos, com o progresso da genética molecular e da fisiologia, tornou-se possível proceder ao melhoramento de espécies de maneira totalmente controlada e racional, com resultados quase imediatos.
Por vezes, os dois tipos de interesses conjugam-se: a resistência de plantas transgénicas a várias pragas e parasitas permite limitar ou eliminar a utilização de pesticidas tóxicos, é “amiga do ambiente” e diminui grandemente os custos de produção. [...]

[...] Em resumo, hoje fazemos melhor, mais controladamente e, sobretudo, muito mais depressa o que sempre fizemos na História. Donde a minha enorme surpresa ao assistir à resistência de alguns ambientalistas contra os alimentos “transgénicos”. Lobby muito poderoso e vocal, promotor frequente de arruaças, o “movimento anti-transgénico” é fruto de uma total irracionalidade. [...]

[...] Não é verdade que os alimentos “transgénicos” fazem mal à saúde: não há qualquer demonstração, nem mesmo qualquer resultado experimental ou epidemiológico que sequer o indique (as raras “declarações” iniciais do contrário foram, entretanto, sistematicamente desmentidas por observações mais rigorosas e sérias). [...]

[...] Ou seja, sabemos fazer agora em poucos meses o que levava muitas gerações a conseguir, usando o mesmo mecanismo genético. [...]

É claro para muita gente esclarecida—digo eu—que as campanhas anti-transgénicos são fundamentalmente inspiradas por motivos políticos da esquerda. Na realidade, o que se combate são as empresas produtoras de transgénicos e não estes propriamente ditos. Aceitamos que algumas dessas empresas não são organizações éticas de excelência; mas isso não significa que a ideia, o método, o princípio e a produção dos transgénicos não represente um enorme avanço da agricultura, capaz ajudar no combate à fome e a doenças endémicas no mundo mais pobre, como pode acontecer com o arroz dourado na prevenção da cegueira e de doenças infecto-contagiosas. Em minha opinião, e como escreve António Coutinho, o movimento anti-transgénico é fruto de uma total irracionalidade. Ou talvez não, se encarado como arma anti-capitalismo.
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