[...] Uma pobre costureira de Londres anseia por ver florir, na sua trapeira, um vaso cheio de terra negra: uma flor consolaria aquela deserdada; mas no conjunto do Universo, infelizmente, a substância que lá devia ser rosa é aqui, na Baixa, homem de Estado... Vem então o fadista de navalha aberta, e fende o estadista; o enxurro leva-lhe os intestinos; enterram-no com tipóias atrás; a matéria começa a desorganizar-se; mistura-se à vasta evolução dos átomos — e o inútil homem de governo vai alegrar sob a forma de amor-perfeito, a água-furtada da loura costureira. O assassino é um filantropo! [...]
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Eça de Queiroz in "O Mandarim"
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Isto foi publicado em 1880 — há 137 anos!... Para além do estilo — superior — releva-se a visão científica, inesperadamente clara e actual, da organização do Universo, com ciclos atómicos e biológicos em que o mesmo átomo de ferro ocupa hoje lugar no pilar de uma ponte, amanhã no cérebro de um Prémio Nobel e, depois de amanhã, numa folha de couve. Visão com certeza rara entre os homens de letras da época — provavelmente, até entre os actuais......
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