Até à segunda metade do Século XX, a hierarquia da Igreja Católica opunha-se a que os seus fiéis, depois de mortos, fossem cremados. Tal significava a obrigatoriedade da inumação, quando não era essa coisa injustificável da sepultura em jazigo; tudo isto praticamente sempre em cemitérios. A razão era a de que o enterro seria a forma mais digna de tratar os mortos por ser a seguida com Jesus.
Embora Jesus tenha vivido há dois mil anos, não se discute tal ponto de vista; mas pode-se argumentar que a conservação de corpos em decomposição, em condições de serem dramaticamente expostos à vista por uma calamidade natural, um bombardeamento, ou qualquer manifestação da maldade dos homens, como aconteceu na Guerra Civil de Espanha, aconselhava mais senso nas normas e mais prudência no pensamento. Mas a hierarquia da Igreja Católica tem uma característica que mais parece um propósito, qual é a de manter os fiéis em estado de permanente intranquilidade de consciência. Rema obstinadamente contra os sinais dos tempos durante séculos, para depois dar o dito por não dito e ceder naquilo com que atormentou milhões de vidas.
Neste momento, a
Igreja cedeu na oposição à cremação dos fiéis defuntos. Aí está um exemplo.
Porque se opôs durante uma eternidade à sua prática? Não sei e duvido que alguém
consiga dar uma explicação cabal para o fenómeno.
Mas as coisas não
podiam ser assim tão simples. Li hoje um título na imprensa que reza assim: ‘A
Igreja Católica não se opõe à cremação, mas "proíbe" aos seus fiéis
fazerem lançamento das cinzas do corpo humano à terra, ao mar ou ao vento,
defendendo ser essencial conservá-las "com dignidade"’.
A primeira pergunta
é: em que consiste isso de conservar com dignidade? Lançar as cinzas ao vento,
ao mar, ou à terra, ficámos a saber que não tem dignidade. Não restam muitas
alternativas: deve continuar-se com a conservação em cemitérios, com potencial
risco de profanação natural ou humana.
A segunda pergunta,
muito mais importante, é: quanto tempo é que o lançamento das cinzas do corpo
humano à terra, ao mar ou ao vento vai ser considerada sem dignidade, e quantos
milhões de seres vão ter a consciência atormentada até a hierarquia Católica achar
que, afinal, tem dignidade? Já não vou saber isso: a vontade do Vaticano leva
séculos a torcer e eu estou de saída.
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