Anedota, dizem os dicionários, é a pequena narrativa
jocosa cuja conclusão provoca o riso; mas também pode ser o episódio histórico,
facto curioso, geralmente relacionado com a vida particular de uma personagem
mais ou menos célebre: A propósito de
qualquer mágoa que vos anuviava o semblante de tristeza, referia-vos ele
anedotas análogas à vossa situação, escrevia Camilo em “Esboços”.
Para os anglo-saxónicos, anecdote tem aproximadamente o
mesmo significado – short interesting or amusing story about a person or
event - mas é mais limitado porque se refere a factos reais e não a ficção.
Muitas das anedotas que contamos são de pessoas ou eventos inventados que não
são anecdotes para os anglo-saxónicos, mas sim jokes. Uma história que começa
com Once J. Edgar Hoover popped in a bar..., vai ser anecdote, enquanto
se for A man pops in a bar..., é joke. Trapalhada que não interessa
muito, mas faz falta para falar de anecdotal evidence, acto de defender uma
opinião, uma tese, uma teoria, evocando casos esporádicos, até isolados, sem
significado estatístico. Um exemplo típico: “Dizem que há crise, mas não há
crise nenhuma: ontem fui almoçar fora e o restaurante estava cheio”. O
restaurante cheio é típica anecdotal evidence, que traduzirei, à falta de
melhor, por evidência anedótica.
E porque falo hoje disto? Porque a referida evidência é
traiçoeira e manhosa. Um jornalista enviesado quer fazer um artigo a malhar
nalguma coisa - pessoa ou situação social, económica ou política - e que
faz? Começa por contar uma história inocente, de levar às lágrimas, tipo
família despejada por não cumprir compromissos financeiros. Depois desenvolve
sub-repticiamente a matéria, funcionando a história inocente como evidência do
que diz. Voilá, ou macané, como dizem os falantes de tétum: a evidência
anedótica com o rabo de fora. O comilão com níveis de lípidos sanguíneos -
vulgo colesterol - a chegar tecto, responde a quem o chama à razão: o meu tio
só come chicha de porco e tem quase 100 anos – lá está a evidência manhosa.
Exemplos não faltam. O insubstituível Baptista Bastos, na sua prosa gongórico-burilada,
pífia e com viés, escreve hoje no “Diário de Notícias”: Anteontem, as televisões transmitiam, em directo, o discurso de Eduardo
Lourenço a agradecer o Prémio Pessoa. Um texto que merecia ser seguido com
atenção e proveito. Foi interrompido, abruptamente, porque Paulo Bento ia
revelar os nomeados para a selecção portuguesa de futebol. Creio haver algo de
errado nesta substituição. É por este preço que pagamos as nossas pessoais
negligências e a natureza deformada das nossas escolhas. De facto, isto anda
tudo ligado. (fim de citação). É verdade, anda tudo ligado, digo eu também: pagamos
um preço porque fazemos escolhas deformadas e somos negligentes - leia-se não
votamos no PCP. E como se demonstra que estamos a pagar tal preço? Demonstra-se
com a interrupção do discurso de Eduardo Lourenço na televisão de Baptista Bastos,
está bom de ver!
...
Sem comentários:
Enviar um comentário