O monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh escreveu mais ou menos
isto:
Se fores poeta, vês claramente que há uma nuvem a flutuar
numa folha de papel. Sem a nuvem, não havia chuva; sem a chuva, a árvore não
crescia; e sem a árvore, não podemos fazer papel. A nuvem é essencial para o
papel existir. Se a nuvem não está aqui, o papel também não pode estar.
Interser é palavra que não existe nos dicionários; mas, se
combinarmos o prefixo inter com o verbo ser, temos um verbo novo. Sem a nuvem,
não podemos ter papel e, portanto, a nuvem e o papel não são: intersão. Ser
é interser. Ninguém é sozinho: tem de interser com outra ou outras coisas. A
folha de papel existe porque existe tudo o que existe.
Não é conversa de louco, não senhora [ou senhor]. É bem lúcida
e verdadeira. Representa um pensamento científico sólido. No mundo Ocidental o
homem acha-se uma entidade individual, isolada do meio circundante pelo papel de
embrulho que é a sua pele. Errado!
A partir de que momento o ar que inspiro, o alimento que
ingiro, a água que bebo deixou de ser tais coisas e passou a ser "eu"? Não
passou, simplesmente. O mundo exterior penetra-nos constantemente e nós somos "ele" e não "nós". Somos o local onde parte do mundo está provisoriamente
organizada da forma que é a nossa: com a morfologia que conhecemos, o
metabolismo que percebemos mais ou menos, a actividade mental que achamos o
máximo, e só isso – um arranjo transitório de moléculas que funcionam assim
assim!
Moléculas em trânsito e de partida a todo o momento, com
as excreções, ou com essa grande excreção final que é a decomposição post
mortem.
Mas as coisas são ainda mais complicadas! Se excluirmos o
cérebro, a espinal medula, o sangue e pouco mais, tudo o resto está carregado de bactérias,
as mais variadas. Na pele e anexos, no intestino, nas vias respiratórias, nos
ouvidos, blá, blá, blá, transportamos dez vezes mais células que não
consideramos “eu”, do que células do que achamos é “eu”. Isto é, de acordo com
a nossa brilhante perspectiva, não a de Thich Nhat Hanh, só 10% somos nós. O
resto que carregamos – 90%! - não é humano. O que é, então? perguntar-se-á. É
lixo? Não é.
Não é porque é fundamental para a nossa organização,
vejam lá, tão asseados que nos achamos! Essas criaturas defendem-nos de
outras criaturas que nos atacam e provocam doenças; transformam substâncias
indigeríveis em alimentos utilizáveis e necessários; produzem compostos
indispensáveis ao nosso metabolismo; e toda uma grande e complicada cangalhada.
Tal aliança chama-se simbiose.
Essa numerosa população, muito maior em número em cada
um de nós do que a população humana de todo o mundo, morre, reproduz-se e
recebe novos elementos vindos do “não-eu”, isto é, renova-se constantemente.
Também as células do “eu” se renovam porque não duram sempre. Resumindo e
concluindo, aquilo que somos agora dura alguns anos; poucos! Depois somos
outros, incluindo os nossos simbiontes. E esta?
Sabem qual é o nosso problema? Passo a explicar. Do
mundo, vemos muito pouco – quase nada. Umas coisas porque são muito grandes e
distantes, como o espaço sideral e, a olho nu, não enxergamos. Outras, porque
são muito pequenas e próximas, também não enxergamos. Já não falo dos quarks, leptões, ou bosões. Falo das bactérias e da maior parte dos fungos,
por exemplo. Então, temos uma ideia do mundo tacanha: vemos umas coisas –
poucas! - e já não é mau. Há quem chame a esse mundo que vemos mesomundo. Não
está mal achado, mas parece-me muito. Chamar-lhe-ia talvez micro-mundo, embora possa melindrar o Homo, que se auto intitula sapiens!
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