Schopenhauer escreveu em "O Vazio da Existência"
esta coisa que já em tempos citei:
Para seu assombro,
um homem encontra-se subitamente a existir, depois de milhares de anos de não-existência;
vive por um momento; e, então e outra vez, vem um período igualmente longo em
que não deve existir mais. O coração revolta-se contra isto e sente que não
pode ser verdade.
Dá que pensar a conversa de Schopenhauer. Todos passámos uma fase em que éramos
átomos dispersos por aqui e por ali, nos mais inesperados locais, uns em
Portugal, outros talvez no Ártico, em África, ou na Ásia, em seres vivos e em
seres inanimados, noutros homens e mulheres provavelmente, no cão e no
periquito do nosso avô e por aí fora. Por razões que a nossa razão desconhece, cerca
de 7000000000000000000000000000 desses átomos organizaram-se para nos
construírem, sem que se perceba porquê, até porque não fizeram grande coisa!
E depois desta epopeia, um belo dia, a estrutura que montaram—em
tudo semelhante a uma viatura das que se montam ali em Palmela—avaria-se: ou a
bomba que alimenta a máquina entra em falência; ou um conjunto de átomos
constituintes de um órgão perde o tino e instala uma estrutura a funcionar à
margem do plano da máquina, seja um cancro do pâncreas, da próstata, ou da mama
que invade a maravilha que somos; ou outra coisa qualquer, atira-nos de pernas
para o ar.
Percebem Vossas Excelências isto? Eu não percebo. Qual a
ideia dos átomos? Estão fartos de nós? Não há razão porque estão em permanente
renovação e cada um não pára muito tempo connosco.
Afinal, porque se deu a natureza ao trabalho de nos
fazer? Acho que estávamos melhor quando éramos parte de um calhau (alguns ainda
são), dum cipreste, ou do mar, mesmo sem as lágrimas de Portugal.
Tenho a certeza que é esta percepção, mesmo de quem não
se apercebe dela, que cria a religiosidade. Curiosamente, e aqui queria chegar,
Schopenhauer era ateu. Vivia com o coração revoltado, como dizia dos outros?
Sentia que isto não pode ser verdade? Provavelmente sim—vivia revoltado. Tinha
cara disso.
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