quinta-feira, 23 de abril de 2015

DO 'KINDLE' PARA O LIVRO DE JÓ

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Há perguntas de resposta difícil—no mínimo discutível—em resultado da natureza da matéria interrogada e do ponto de onde ela é encarada. É complicada esta conversa mas, para abreviar dou um exemplo: "O livro clássico, em papel, é hoje uma tecnologia obsoleta?" Aqui está o tipo de pergunta com resposta difícil a que me refiro.
Desde logo, é preciso pensar que há factores históricos, afectivos, estéticos, culturais, etários e por aí fora envolvidos no tipo de respostas possíveis. Cada vez mais, há menos gente do tempo em que não existiam livros electrónicos e isso modifica a perspectiva dominante da população. Um jovem que não tem qualquer ligação sentimental ao livro em papel—para ele, igual a um rolo de papiros para mim—está-se a borrifar para a beleza do livro, naturalmente. Na melhor das hipóteses, considera-o bom para equilibrar uma perna da mesa da cozinha, ou subir o assento da cadeira, embora péssimo pelo espaço que ocupa no quarto, onde tem de pôr o skate, a bola, a flâmula do Benfica, a "taça da carica" e mais um par de botas. Sobretudo, acha-o um atraso de vida.
Mas nesta matéria, como em quase tudo,  há que considerar uma coisa chamada ponto de vista. Imagine-se que o livro em papel só tinha sido inventado no ano passado e não no Século XV. O que diriam as pessoas habituadas a ler, até 2014, apenas livros electrónicos? É difícil responder, mas pode-se especular.
Por exemplo, que os livros em papel são muito baratos quando  comparados com os aparelhos de leitura de livros electrónicos e, embora se tenha de comprar muitos separadamente, isso faz-se ao longo da vida, ou seja, em prestações suaves. E também que podem ser lidos em qualquer lugar minimamente iluminado, sem necessidade de ligação à Internet, inexistente ainda em muitos locais. E que podem ser emprestadom ao amigo—até ao inimigo—sem correr o risco de grande prejuízo se se "esquecerem" de os devolver. E que se cairem na banheira, depois de os colocar um dia em cima do aquecimento do quarto, ainda os podem ler sem gastar mais dinheiro a repará-los. E que, bem analisadas as coisas, cheiram a saber e a cultura. E que são uma peça bem mais ornamental que aquele horrível Kindle que tem em cima da mesa da sala ou de cabeceira. E que não precisam de bateria, nem dão problemas se não tiver onde a carregar. E em que pode escrever notas nas margens das páginas, para si e para a posteridade. E que ninguém vai implicar consigo, por causa de um livro, na segurança do aeroporto, naquela cangalhada onde a pessoa tem de tirar o casaco e às vezes até os sapatos. E que pode ler no avião desde o minuto em que senta o rabo no banco da caixa voadora, até ao minuto em que se levanta quando chega ao destino. Que grande invenção esta!!!—diria. Tenho a certeza; digo-lhe eu que só leio livros no computador e tenho conta aberta no Kindle, veja lá. Sabe uma coisa? Somos todos uns asnos!

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