[...] Durante a maior parte dos felizes anos compreendidos pelo reinado glorioso de D. Manuel, tudo tomou tão favorável jeito que a Fortuna, diz o cronista Andrada, parecia ter-se dado por única tarefa o cumular o seu governo de prosperidade.
Com efeito, graças às imensas vantagens e lucros tirados pelos portugueses das suas numerosas e gloriosas conquistas no Oriente; graças ao comércio mantido com tais regiões, Portugal conseguiu, no período de alguns anos, atingir uma riqueza e um bem estar que excediam, em muito, tudo aquilo que se havia visto até então.
O cronista D. Gois, testemunha ocular, conta ter visto frequentemente no mercado indiano de Lisboa apresentarem-se negociantes com sacos de moeda de ouro e prata, para pagar as mercadorias recebidas, e os empregados mandarem-nos voltar outra vez, porque não tinham tempo de contar o dinheiro, visto como as sobras cobradas todos os dias eram demasiado consideráveis.
Espantados desta súbita mudança de fortuna, os homens não souberam nem manejar nem utilizar semelhantes riquezas, nem gozar delas com a necessária medida. Eles podiam crer, diz Andrada, que jamais perderiam o que uma vez ganho haviam.
Não decorreu muito tempo sem ver manifestarem-se, em meio daquela situação florescente, sintomas de mudança e de decadência. Na verdade, aquela opulência, aquela abundância que se deveria ter empregado, com sensata economia, em legítimas, exactas precisões, foram consagradas a prazeres refinados e a cobiças que, insaciáveis de sua natureza, acarretaram despesas exageradas e excessos nos vestuários, que se recebiam já feitos dos povos estrangeiros. Deram margem à pompa e ao luxo da domesticidade, aos perfumes preciosos, às invenções das mais variadas iguarias, custosas à bolsa e nocivas ao corpo. Eram semelhantes excessos excelentemente de molde a não só abrir brecha na abundância de que se gozava, mas ainda a minar e destruir, quase de lés a lés, aquela austeridade, aquela severidade dos costumes simples de outrora, guardas da verdadeira honra e do bem, público e privado.
O corolário natural e rápido desta afluência extraordinária de metais preciosos e de somas amoedadas foi um alevante inaudito dos preços dos produtos, naturais e manufacturados. Deviam eles subir a tanto mais alto quanto a actividade industrial de Portugal se conservava atrás das necessidades, e a paixão das aventuras marítimas, a estonteante perspectiva de fazer fortuna no mar, ajuntando facilmente tesouros nas regiões longínquas da Índia, mais braços lhe arrebatavam. [...]
[...] Prestes a mor parte dos tesouros da Índia outra coisa não fez do que esta: passar pela mão dos portugueses, para comprar à indústria do estrangeiro as mercancias e produtos delicados que imperiosamente reclamavam a molícia e luxo lusitano [...]
Com efeito, graças às imensas vantagens e lucros tirados pelos portugueses das suas numerosas e gloriosas conquistas no Oriente; graças ao comércio mantido com tais regiões, Portugal conseguiu, no período de alguns anos, atingir uma riqueza e um bem estar que excediam, em muito, tudo aquilo que se havia visto até então.
O cronista D. Gois, testemunha ocular, conta ter visto frequentemente no mercado indiano de Lisboa apresentarem-se negociantes com sacos de moeda de ouro e prata, para pagar as mercadorias recebidas, e os empregados mandarem-nos voltar outra vez, porque não tinham tempo de contar o dinheiro, visto como as sobras cobradas todos os dias eram demasiado consideráveis.
Espantados desta súbita mudança de fortuna, os homens não souberam nem manejar nem utilizar semelhantes riquezas, nem gozar delas com a necessária medida. Eles podiam crer, diz Andrada, que jamais perderiam o que uma vez ganho haviam.
Não decorreu muito tempo sem ver manifestarem-se, em meio daquela situação florescente, sintomas de mudança e de decadência. Na verdade, aquela opulência, aquela abundância que se deveria ter empregado, com sensata economia, em legítimas, exactas precisões, foram consagradas a prazeres refinados e a cobiças que, insaciáveis de sua natureza, acarretaram despesas exageradas e excessos nos vestuários, que se recebiam já feitos dos povos estrangeiros. Deram margem à pompa e ao luxo da domesticidade, aos perfumes preciosos, às invenções das mais variadas iguarias, custosas à bolsa e nocivas ao corpo. Eram semelhantes excessos excelentemente de molde a não só abrir brecha na abundância de que se gozava, mas ainda a minar e destruir, quase de lés a lés, aquela austeridade, aquela severidade dos costumes simples de outrora, guardas da verdadeira honra e do bem, público e privado.
O corolário natural e rápido desta afluência extraordinária de metais preciosos e de somas amoedadas foi um alevante inaudito dos preços dos produtos, naturais e manufacturados. Deviam eles subir a tanto mais alto quanto a actividade industrial de Portugal se conservava atrás das necessidades, e a paixão das aventuras marítimas, a estonteante perspectiva de fazer fortuna no mar, ajuntando facilmente tesouros nas regiões longínquas da Índia, mais braços lhe arrebatavam. [...]
[...] Prestes a mor parte dos tesouros da Índia outra coisa não fez do que esta: passar pela mão dos portugueses, para comprar à indústria do estrangeiro as mercancias e produtos delicados que imperiosamente reclamavam a molícia e luxo lusitano [...]
Henrique Schæfer
"História de Portugal"
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