quarta-feira, 16 de maio de 2012

PROSAS PÍFIAS

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Anedota, dizem os dicionários, é a pequena narrativa jocosa cuja conclusão provoca o riso; mas também pode ser o episódio histórico, facto curioso, geralmente relacionado com a vida particular de uma personagem mais ou menos célebre: A propósito de qualquer mágoa que vos anuviava o semblante de tristeza, referia-vos ele anedotas análogas à vossa situação, escrevia Camilo em “Esboços”.
Para os anglo-saxónicos, anecdote tem aproximadamente o mesmo significado – short interesting or amusing story about a person or event - mas é mais limitado porque se refere a factos reais e não a ficção. Muitas das anedotas que contamos são de pessoas ou eventos inventados que não são anecdotes para os anglo-saxónicos, mas sim jokes. Uma história que começa com Once J. Edgar Hoover popped in a bar..., vai ser anecdote, enquanto se for A man pops in a bar..., é joke. Trapalhada que não interessa muito, mas faz falta para falar de anecdotal evidence, acto de defender uma opinião, uma tese, uma teoria, evocando casos esporádicos, até isolados, sem significado estatístico. Um exemplo típico: “Dizem que há crise, mas não há crise nenhuma: ontem fui almoçar fora e o restaurante estava cheio”. O restaurante cheio é típica anecdotal evidence, que traduzirei, à falta de melhor, por evidência anedótica.
E porque falo hoje disto? Porque a referida evidência é traiçoeira e manhosa. Um jornalista enviesado quer fazer um artigo a malhar nalguma coisa - pessoa ou situação social, económica ou política - e que faz? Começa por contar uma história inocente, de levar às lágrimas, tipo família despejada por não cumprir compromissos financeiros. Depois desenvolve sub-repticiamente a matéria, funcionando a história inocente como evidência do que diz. Voilá, ou macané, como dizem os falantes de tétum: a evidência anedótica com o rabo de fora. O comilão com níveis de lípidos sanguíneos - vulgo colesterol - a chegar tecto, responde a quem o chama à razão: o meu tio só come chicha de porco e tem quase 100 anos – lá está a evidência manhosa. Exemplos não faltam. O insubstituível Baptista Bastos, na sua prosa gongórico-burilada, pífia e com viés, escreve hoje no “Diário de Notícias”: Anteontem, as televisões transmitiam, em directo, o discurso de Eduardo Lourenço a agradecer o Prémio Pessoa. Um texto que merecia ser seguido com atenção e proveito. Foi interrompido, abruptamente, porque Paulo Bento ia revelar os nomeados para a selecção portuguesa de futebol. Creio haver algo de errado nesta substituição. É por este preço que pagamos as nossas pessoais negligências e a natureza deformada das nossas escolhas. De facto, isto anda tudo ligado. (fim de citação). É verdade, anda tudo ligado, digo eu também: pagamos um preço porque fazemos escolhas deformadas e somos negligentes - leia-se não votamos no PCP. E como se demonstra que estamos a pagar tal preço? Demonstra-se com a interrupção do discurso de Eduardo Lourenço na televisão de Baptista Bastos, está bom de ver!
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