domingo, 8 de fevereiro de 2015

O MONOGLOTISMO CIENTÍFICO

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A  ciência, como toda actividade intelectual, usa a comunicação oral e escrita para se difundir, confrontar ideias, formular problemas, apresentar soluções, para pensar até—na realidade, também usamos inconscientemente a linguagem para raciocinar. Ao longo dos séculos, as línguas dominantes na ciência têm variado muito. Do grego, latim e árabe, passou-se ao italiano, francês, alemão, inglês, russo e outras. Uma Babel complicada que obrigava o pessoal da ciência a conhecer tais línguas se queria manter-se informado sobre o que se escrevia e dizia no mundo. Embora houvesse quase sempre uma língua dominante, tal não se revelava suficiente. Em 1869, por exemplo, Mendeleev quase perdeu o crédito de autoria da tabela periódica por ter publicado o trabalho em russo e não em alemão.
Especialmente por razões históricas e sociológicas, o inglês começou a ser muito usado na ciência há cerca de um século. De tal modo que, em 1980, cerca  de 80% das publicações científicas eram feitas em inglês e actualmente tal percentagem anda pelos 99%. De supetão, a ciência, tornou-se "monoglota", completamente anglófona. A que se deve tal fenómeno?
Naturalmente, ao facto de o inglês ser a língua da América, do Canadá, do Reino Unido, da Austrália e de numerosos outros países, ex-colónias da Inglaterra. Afinal o fenómeno não é exclusivo da ciência, acontecendo o mesmo no comércio, na indústria, na política, no turismo, etc. Mostra-me a experiência que em qualquer país do mundo, quando abordo um cidadão indígena, a reacção dele é sempre tentar explicar-se em inglês, sem saber de que terra sou—é um instinto novo do homem moderno, sem dúvida. Nalguns navios de cruzeiro, já tenho falado inglês com brasileiros, e até portugueses, antes de percebermos que falamos os dois como Camões, embora não tão bem.
Falo disto porque li hoje um artigo na "AEON Magazineonline, escrito por um senhor chamado Michael Gordin, historiador de ciência contemporânea da Universidade de Princeton e autor dum livro a publicar em breve, chamado "Scientific Babel".
Gordin considera apenas razões históricas para explicar o fenómeno do "monoglotismo" científico actual. Debaixo da minha esmagadora ignorância, suspeito que  a História, a Sociologia, a Economia e coisas assim não explicam o fenómeno completamente. Opino que é necessário considerar a funcionalidade da língua, ou seja, a eficiência. Não é por acaso que o ensino se faz em numerosos centros de vários países—Portugal incluído—em inglês. Dir-me-ão que isso é consequência do conhecimento universal do inglês. Será, mas não só. Quem tem experiência de estudar matéria científica escrita em inglês, percebe o que digo. De tal modo que, mesmo quando falando português, há tendência para usar termos ingleses, como stress, life-saving, sunscreen, airborne dermatitis, rebabá O inglês é a língua que permite introduzir mais ideias em menos palavras, penso. Daí o seu sucesso no ensino, na comunicação científica e no raciocínio. Não estarei cá para ver, mas prevejo que daqui a 50 anos será usado em quase todo o mundo avançado como língua paralela à língua nativa.
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