sábado, 1 de abril de 2017

O MAIOR ESPECTÁCULO DO MUNDO

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Hoje é dia de festa. Na grande "Catedral do Futebol", em S. Domingos de Benfica, tem lugar grande celebração com importância social de relevo, não litúrgica — é verdade — mas ainda assim com importância quase planetária, para ser moderado e não dizer galáctica!
Lembrei-me disto porque, ao passar hoje pelas redondezas, para ir comprar limões à praça como a Rosinha dos ditos (onde está praça leia-se "Continente", passe a extraordinária publicidade), pensei nesse fenómeno sócio-económico-cultural que é o desporto de pénabola que os ingleses baptizaram genialmente, como é habitual, de Football e acabou em futebol na língua do épico (estou a falar bem!).
A população portuguesa, talvez a população mundial, pode ser dividida de várias maneiras: por exemplo, os que roubam e os que são roubados, os que têm dinheiro em offshores e os que não têm dinheiro em sítio nenhum, os que votam em Jerónimo de Pirescoxe e os que não votam, e por aí fora. Mas hoje, dada a solenidade do dia, queria falar dos que gostam de futebol e dos que não gostam de futebol.
Antes do futebol, é preciso lembrar que umas pessoas são apreciadoras incondicionais das actividades intelectuais, actividades essas que são exigentes e, por isso, monopolizadoras — deixam pouco espaço para outras divagações. E há pessoas cultoras da actividade física, com pouca apetência para lucubrações, diria mentais se não fosse tautológico e deve ser.
Naturalmente, a opção  por uma ou outra preferência depende de muita coisa — o que dito assim não diz nada — mas depende, por exemplo, da capacidade intelectual de uns e da destreza física de outros. Todo o dito é, em traço grosso, muito tosco, mas serve por agora.
Curiosamente, o cultor do desporto é tolerante com o intelectual, que muitas vezes até admira, embora não dê um passo para saber o que ele diz, escreve, ou debita na rádio e TV. Pelo contrário, o intelectual tem um parti pris sistemático com o desporto — embora, quase sempre, não assumido claramente — identificável em sub-reptícios ditos, comportamentos, escritos, cantados e gesticulados.
Por exemplo, num exemplar de Janeiro do "Diário de Notícias", na sua crónica habitual, António Barreto — que admiro e respeito —, a propósito da televisão portuguesa em geral reza assim a folhas tantas:
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[...] Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez.[...]
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E, mais adiante:
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[...] A falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial. Qualquer tema importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por um treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto que divaga.[...]
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Depois de ler isto, o comentário que se me oferece fazer é: Pena que quem escreve assim, de forma que faz inveja, não seja capaz de disfarçar o preconceito inferior (todos os preconceitos são inferiores) contra o futebol.
A ideia de Barreto é a de que o povão é inculto porque lhe dão futebol em vez de palestras de Sociologia ou Literatura Clássica, concertos de Rachmaninoff, exposições de van Gogh, ou sessões públicas de leitura de Sartre. Um homem tão ilustrado que ainda não digeriu a história do panem et circenses! Um ilustre sociólogo a viver no espaço galáctico, qual buraco negro devorador de usos e costumes populares. A Sociologia de Barreto é de carregar pela boca, como os canhangulos dos turras. E é pena porque Barreto tem cabeça para ser um homem superior. MAS NÃO É!!!... É PRECONCEITUOSO.

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