Conta a História que no fim do Século XV, as águas da
Terra Nova tinham tanto bacalhau que este podia ser pescado com redes e até cestos lançados duma pequena embarcação. No fim do Século XX, o bacalhau tinha quase desaparecido. O Canadá
teve de fechar as águas à pesca, lançando dezenas de milhares de pescadores no
desemprego. Porque se chegou a esta situação e só se actuou tarde e a más
horas? A causa do fenómeno chama-se síndrome de desvio da linha de base.
É assim: o fenómeno vai sendo estudado e o estudo não faz
soar as campainhas de alarme. Porquê isso? Porque cada geração de
investigadores das pescas aceita como normal o stock existente no início da sua
carreira e usa esse valor para avaliar a evolução. No curto período que estuda
a matéria, há uma queda do stock, considerada não significativa. Os
investigadores da geração seguinte tomam os valores finais da anterior e voltam
a concluir que, embora havendo uma ligeira descida dos valores, ela não é
significativa. Os seguintes, blá, blá, blá. O somatório das decidas nos stocks
é alarmante, mas ninguém conta o somatório; apenas fases parcelares! É a
cegueira científica, a estupidez e o esquecimento, chamemos-lhe inter-geracional. Há ciências em que os
desvios anteriores da linha de base são tidos em conta e considerados nas
avaliações dos resultados, como parece evidente e deve ser feito. Nas ciências
ambientais raramente são.
Mas não era exactamente do síndrome de desvio da linha
basal nas ciências ecológicas que eu queria falar. Tal síndrome aplica-se a
muitas outras situações. Por exemplo, na economia, ao aumento do consumo de
energia per capita no mundo desenvolvido. Ou ao aumento da criminalidade nas
grandes cidades e por aí fora. E também na política, quando se atribui a um
governo em exercício males que começaram há muito, em governos anteriores, e
continuam a operar porque têm inércia para penetrar em executivos actuais e até
futuros. Querem um exemplo? Olhem para Portugal: atribui-se a um executivo que
não tem um ano uma taxa de desemprego crescente que já era enorme e vinha em progressão rápida
há anos. E faz-se escândalo demagógico com isso. E aponta-se a dificuldade do
controlo do défice público, quando este já era muito grande e progressivo atrás:
o desvio da linha de base anterior é sorrateiramente sonegado. O síndrome é
perigoso e deve-se estar alerta em relação a ele porque, frequentemente, é uma
arma para enganar papalvos.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário