É frequente nas conversas de café, e outras de equivalente transcendência, alguém defender convictamente opiniões, posições, situações, sem a mínima qualificação para o fazer. Não vem daí nenhum mal ao mundo, se excluirmos amuos e zangas. Nada de preocupante. Todos fazemos o mesmo e acho bem, porque o mundo seria uma seca se cada um só falasse daquilo que sabe. Há até muito boa gente que nunca abriria a boca.
Naturalmente, estamos a falar de conversas de café e correlativas. Mas às vezes a conversa não é de tal género e descamba. Linus Pauling, por exemplo, era um notável químico quântico americano, mas gostava de falar e mandar bocas, mesmo fora da sua área. Um belo dia, começou a falar da Vitamina C e do seu papel na prevenção de doenças e na cura dos síndromes gripais e, embalado, acabou numa coisa esdrúxula a que chamou “Medicina Ortomolecular” (!!!) - termo inventado por ele - ciência não reconhecida pela Medicina clássica. Felizmente, Pauling lembrou-se da Vitamina C, coisa inócua, e não duma burrice do tamanho da sua insensatez.
Dir-se-á que um sábio como Pauling não ia pôr-se a falar
de coisas que não sabia; mas a verdade é que pôs. Alguém lembrava a este
respeito que a massa de gelatina pensadora situada entre as nossas duas orelhas
é igual em toda a gente, e Pauling não era excepção à regra. E também é verdade
que, sendo o homem o primeiro dos
animais mais inteligentes da criação, bem vistas as coisas, tal não representa
grande qualificação, se considerarmos que o segundo é o chimpanzé. Serve isto
para dizer que o direito à asneira é universal; tão universal como o direito de
respirar ou de ocupar o espaço correspondente ao nosso volume; direitos
vigentes muito antes desses outros da liberdade de expressão, do acesso à
educação, à saúde e por aí fora.
Chegados aqui, e era aqui que queria chegar, pergunto o
que fazer com este conhecimento. Por exemplo, o Professor Marcello é um
reconhecido jurista e, quando emite pareceres jurídicos, devemos acatá-los,
baixar as orelhas e deixar para quem sabe as contestações. Mas quando o
Professor Marcello fala na condição de Prof Martelo, alto lá que eu estou aqui.
Nessa matéria, a opinião do Prof Marcello é tão “ortomolecular” como a minha. Para
não falar dos especialistas da ideia geral, como Mário Soares, da ideia
contrária, como Miguel Sousa Tavares, da ideia pior que péssima , como Pedro
Marques Lopes, ou da ideia nenhuma. Pensando melhor, suspeito que os da ideia
nenhuma são os que mais vezes estão certos. Portanto, vamos todos ter opinião,
especialmente quando não temos ideia nenhuma, ou só temos uma "ortomolecular".
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