O que vou escrever a
seguir não é uma condenação ou suspeita fundamentada, uma mal disfarçada
vontade de denegrir alguém que não conheço nem nunca conhecerei pessoalmente, ou a manifestação de regozijo com o mal de um homem—para deixar as coisas bem
claras, e usando linguagem quase camiliana, um homem para quem me estou a cagar.
É sim um comentário sobre informação a que todos têm acesso e que dá para
pensar sobre a moral da história.
Como é sabido, Ricardo
Salgado—que me dispenso de apresentar—foi chamado a uma Comissão de Inquérito
da Assembleia da República para explicar estranhos fenómenos pluto-tectónicos
ocorridos no grupo económico-financeiro onde desempenhava funções de relevo e
lhe teriam valido ir de cana preventivamente, não fosse ele capaz de depositar 3
milhões de euros nos cofres do Tesouro Público. A abrir a audição, citou um
complicado provérbio chinês sobre leopardos, homens, reputações e peles—"Um
leopardo, quando morre, deixa a sua pele; um homem, quando morre, deixa a sua
reputação"—sem que se perceba muito bem o propósito da dita
citação porque não tinha morrido nenhum leopardo nem homem na Assembleia da
República naquele dia.
Hoje, a comissão de Inquérito deu a conhecer o relatório
preliminar da audição do leopardo, perdão do homem. Num documento maior—embora
com menos conteúdo—que um artigo do Dr. Soares no DN, a Comissão aliviou-se
com a prosa a seguir resumida:
[...] Atendendo ao estilo de gestão vigente no GES, à
centralização de conhecimentos e responsabilidades em torno da figura de
Ricardo Salgado, nomeadamente ao nível de uma gestão centralizada de
tesouraria, praticada conjuntamente com José Castella, considera-se provável
que Ricardo Salgado tenha estado envolvido na tomada de decisão de manipulação
intencional das contas da ESI desde 2008, da qual teria portanto também
conhecimento, o mesmo sucedendo, ainda que porventura com graus variáveis de
detalhe, relativamente a José Castella". [...]
Isto é, o leopardo deixou
a pele com caruncho e comida pela traça, apesar da naftalina aspergida por Proença de
Carvalho. Quanto ao homem, felizmente ainda não morreu e todos fazemos votos
para que não morra tão cedo, pois ainda terá muitos mais anexins chineses para
nos ensinar. E aprender, como a escritora britânica Doris Lessing dizia, é compreender uma coisa que já
tínhamos compreendido, mas de outra maneira. Tal e qual—a autora, apesar de
nascida há quase 100 anos, já estaria a prever o andamento do caso BES. É fantástico! Parece bruxedo!
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário