quinta-feira, 16 de abril de 2015

LEOPARDOS SALGADOS

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O que vou escrever a seguir não é uma condenação ou suspeita fundamentada, uma mal disfarçada vontade de denegrir alguém que não conheço nem nunca conhecerei pessoalmente, ou a manifestação de regozijo com o mal de um homempara deixar as coisas bem claras, e usando linguagem quase camiliana, um homem para quem me estou a cagar. É sim um comentário sobre informação a que todos têm acesso e que dá para pensar sobre a moral da história.
Como é sabido, Ricardo Salgado—que me dispenso de apresentar—foi chamado a uma Comissão de Inquérito da Assembleia da República para explicar estranhos fenómenos pluto-tectónicos ocorridos no grupo económico-financeiro onde desempenhava funções de relevo e lhe teriam valido ir de cana preventivamente, não fosse ele capaz de depositar 3 milhões de euros nos cofres do Tesouro Público. A abrir a audição, citou um complicado provérbio chinês sobre leopardos, homens, reputações e peles—"Um leopardo, quando morre, deixa a sua pele; um homem, quando morre, deixa a sua reputação"—sem que  se perceba muito bem o propósito da dita citação porque não tinha morrido nenhum leopardo nem homem na Assembleia da República naquele dia.
Hoje, a comissão de Inquérito deu a conhecer o relatório preliminar da audição do leopardo, perdão do homem. Num documento maior—embora com menos conteúdo—que um artigo do Dr. Soares no DN, a Comissão aliviou-se com a prosa a seguir resumida:

[...] Atendendo ao estilo de gestão vigente no GES, à centralização de conhecimentos e responsabilidades em torno da figura de Ricardo Salgado, nomeadamente ao nível de uma gestão centralizada de tesouraria, praticada conjuntamente com José Castella, considera-se provável que Ricardo Salgado tenha estado envolvido na tomada de decisão de manipulação intencional das contas da ESI desde 2008, da qual teria portanto também conhecimento, o mesmo sucedendo, ainda que porventura com graus variáveis de detalhe, relativamente a José Castella". [...]

Isto é, o leopardo deixou a pele com caruncho e comida pela traça, apesar da naftalina aspergida por Proença de Carvalho. Quanto ao homem, felizmente ainda não morreu e todos fazemos votos para que não morra tão cedo, pois ainda terá muitos mais anexins chineses para nos ensinar. E aprender, como a escritora britânica Doris Lessing dizia, é compreender uma coisa que já tínhamos compreendido, mas de outra maneira. Tal e qual—a autora, apesar de nascida há quase 100 anos, já estaria a prever o andamento do caso BES. É fantástico! Parece bruxedo!
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