Hoje li uma matéria aparentemente irrelevante que constitui um problema filosófico complicado. Põe alguém—não interessa quem—esta pergunta: "Quantos anos devíamos nós viver?" Estou a imaginar muitos a responder de imediato: Para sempre!
Naturalmente, tal é impossível, mas não é aí que está a dificuldade maior: mesmo
que fosse possível, como seria viver para sempre? Muito complicado!
Julgar-se-á que me refiro à decrepitude mas, mesmo admitindo
que esta não nos atormentava e era tolerável, continuava a ser complicado. A
vida é uma jornada de acumulação de saber e experiência e de desfrute de
prazeres de vária natureza que constituem a sua essência. No período
correspondente à esperança de vida actual, suspeito que se esgota toda essa
essência, ficando pouco para preencher o existir, ou o estar cá.
Como morremos todos—com excepção de casos raros— antes dos
cem anos, temos a convicção que seria óptimo continuarmos mais tempo. Mas tal afigura-se
uma ilusão, mesmo sem sermos decrépitos depois dos cem anos. Provavelmente,
viver até aos duzentos anos seria como passar semanas, meses, ou anos fechado
numa sala de cinema a ver o mesmo filme dia e noite em sessões contínuas, mesmo
que a fita fosse a obra prima da nossa eleição.
Na verdade, suspeito que a aversão à morte decorre mais da
ignorância do que vem a seguir—mesmo no caso dos que têm fé—e não da vontade de
gozar a vida. Não me esquece o eclesiástico ilustre que, confrontado por um
jornalista com a afirmação de que não devia ter medo da morte porque o esperava
a eternidade, se apressou a dizer: Não há pressa; não há pressa.
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