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Simon Barnes, curiosamente, é jornalista desportivo. É mesmo o editor da página de desporto do jornal The Times, mas ao Sábado publica uma coluna sobre a vida selvagem. Esta semana fala sobre a extinção das espécies num artigo intitulado “Extinction? I’m afraid we haven’t got time for it” que vale a pena ler pelo fino humor que usa. Passo a traduzir:
Somo citadinos espertalhões com alma de caçadores-recolectores. Vivemos no mundo moderno, mas as nossas mentes trabalham da mesma maneira que as da savana de onde evoluiram.
A Ciência revelou-nos um milhão de verdades, mas o nosso íntimo rejeita-as. Vejam a Terra, por exemplo: vocês não acreditam seriamente nesse absurdo de que é redonda, pois não? Tudo em nós nos diz que a Terra é o centro do Universo. As enormes distâncias do espaço interestelar fazem-nos dor de cabeça: temos certezas muito mais profundas que a verdade. Como essa coisa da evolução: quem viu um macaco transformar-se num homem? Os homens fizeram opções definitivas sobre a maneira de compreender o Universo e o nosso lugar nele. Galileu demonstrou que a Terra anda à volta do Sol de uma forma humilde e submissa; Darwin mostrou-nos que os homens são animais descendentes de animais. Mas talvez a coisa mais difícil de lidar seja o tempo imenso.
Os processos que conduziram a vida, o planeta e o Universo tiveram lugar numa escala de tempo que está para além do nosso entendimento. Não podemos conceber 4,6 milhares de milhões de anos, a idade da Terra. O nosso gramofone não consegue tocar esse disco.Podemos conceber esse conceito com um esforço mental, mas não o interiorizamos até às vísceras. Ou talvez queira dizer ADN. Bem no fundo, “sabemos” que o mundo tem 10.000 anos, que os homens estiveram sempre nele, que é o centro absolutamente de tudo.
Uma sondagem nos Estados Unidos revelou que 44% das pessoas rejeitam a teoria da evolução. Neste país são 22%.
Isto não é porque as pessoas sejam estúpidas, mas porque estas noções baseadas em tempos imensos vão contra o nosso íntimo. Simplesmente, apenas conseguimos lidar com 10.000 anos: o maior número que não bloqueia o nosso computador de bordo. E isto é pena porque a imensidão do tempo está no centro da crise da extinção.
As espécies vão-se extinguindo porque o homem não vê isso a acontecer, e portanto não acredita. Tão simples como isso.
Acreditar que o elefante deixará de andar por aí é como acreditar que um dia o Sol nascerá a Ocidente e as estrelas cairão como chuva.
Podemos apenas viver no curto prazo. No máximo uma geração. Planeamento a longo prazo significa o próximo ano ou os dois próximos. A nossa mente não aguenta mais. Por isso, escolhemos governarmo-nos com escalas de tempo confortáveis. Quatro anos, cinco anos: é o tempo dos políticos.
Que nos conduz ao desatre da CITES. A reunião da Convention on International Trade in Endangered Species decorre neste momento em Doha, Qatar. Até agora decidiu, e por esmagadora maioria, incluindo o bloco de nações da Uniâo Europeia – somos nós, a propósito – continuar a pescar o atum rabilho (ou vermelho). Aparentemente, é politicamente conveniente fazê-lo. A caça dos ursos polares é também para continuar. Prevê-se igualmente que a proposta de proibição do comércio do marfim por 20 anos será rejeitada.
A extinção é um facto real, como apontei mais do que uma vez antes. Mas acontece em marcha lenta: não vemos um macaco a tranformar-se num homem, nem um animal a extinguir-se. Apenas um dia notamos que deixámos de os ver há alguns anos. O ritmo de extinção actual é de uma espécie por hora, mas não estamos a fazer muito nessa matéria porque não fomos feitos para pensar em coisas que se desenrolam ao longo de séculos.
Este é o Ano da Biodiversidade das Nações Unidas. Biodiversidade é outro conceito com o qual não conseguimos lidar e, talvez por isso, a CITES tenta baixar o número das espécies para um nível manejável.
Mas a biodiversidade é qualquer coisa que explode na mente como uma granada – quando se vê pelo ângulo certo. Só se precisa de mudar o foco. Assim, deixem-me explicar os meus novos binóculos.
Primavera. Como já notaram. Até que enfim:alguns dias mais quentes, uma cotovia sobe e canta a sua música, enquanto os melros exprimem a urgência sexual. E, dançando na luz, enxames de pequenos seres. Estes binóculos focam a 18 polegadas do meu nariz. Consigo captar um: subitamente enorme, enche o campo visual, são duas asas ao sol como pedaços de ouro. Mosquitos – ah, mas há mais do que um mosquito, estão a ver.
Há mais que uma família de mosquitos. Mosquito é um termo genérico. Estes não têm nada a ver com os toturadores escoceses.
Estes dançarinos ao Sol são conhecidos como mosquitos que não picam: a família dos Chironomidis. Há cerca de 5.000 espécies diferentes no mundo. Não me perguntem qual é esta. Como pode esperar-se que alguém seja capaz de dominar essa questão? Como podemos esperar que os homens sejam capazes de dominar a noção da vida, tal como ela é na realidade?
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sábado, 20 de março de 2010
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