sábado, 29 de maio de 2010

ACORDO ORTOGRÁFICO

(Spelling)

As reformas ortográficas têm que se lhe diga, e a que está em vigor por acordo dos países de língua portuguesa, ainda tem mais. Começo por dizer que sou contra. A ortografia e a gramática têm tendência para divergir com o tempo e as homogeneizações internacionais periódicas feitas a martelo não trazem nada de útil do ponto de vista cultural. Mas isso não interessa agora.
A título de curiosidade, veja-se a seguir como evoluiu a ortografia em Portugal entre 1878 e hoje. É a transcrição de parte de uma carta enviada à Real Academia das Ciências por uma comissão representante de cidadãos do Porto, preocupados com a anarquia ortográfica e gramatical.

REPREZENTAÇÃO Á ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS SOBRE A REFÓRMA DA ORTOGRAFIA

Senhores. ― Os abaixo assinados dirijem-se á academia real das ciências em cumprimento de um dever. Numa reunião pública, celebrada nésta cidade em 23 do corrente, fôrão encarregados de, em comissão, pedir a éssa real academia que ocorra a uma necessidade que quázi só d'éla póde esperar satisfação; e vem dezempenhar-se do onrozo encargo.
Paréce-lhes ociozo aduzir argumentos para justificar o pedido. Não tendo a língua uma gramática e um dicionário que póssão dizer-se oficiais, não avendo nórma para a ortografia, nem para a pronúncia, e sendo isso o que se péde á academia, déve considerar-se desnecessária qualquér justificação.
O parecer de que ésta reprezentação vai acompanhada, contem um sistema de ortografia e um método de o pôr em prática, os quais avaliareis como merecêrem. Os abaixo assinados apenas esprímem o dezejo e a esperança de que julgueis dever adòtal-os.
Dando pois ezecução á primeira parte da propósta que termina esse parecer, e que a mencionada reunião aprovou com
escluzão das palavras ou outro que julgue melhór, no cazo de rejeitar este ―, os abaixo assinados pédem á academia real das ciências que, publicando uma gramática e um dicionário ao mesmo tempo ortográfico e prozódico ou ao menos um vocabulário, se digne preenxer éssa lacuna e satisfazer éssa que todos reconhécem e sêntem, ― a de uma ortografia nòrmal.
Não pódem porem deixar de xamar a vóssa atenção para a alteração aludida, que a reunião onde fôrão eleitos, fês no parecer da comissão.
Por éla vê-se que a opinião d'aquéla assembleia é, que a refórma a realizar na ortografia déve ser em sentido sónico.
Dignai-vos acreditar, senhores académicos, em nóssos sentimentos de consideração e respeito.
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Porto, 26 de dezembro de 1878 ― Adriano de Abreu Cardoso Machado, prezidente ― Conde de Samodães ― Manuel Felippe Coelho ― Agostinho da Silva Vieira ― Jozé Barbóza Leão
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