quarta-feira, 26 de maio de 2010

O ERRO DE ANTERO DE QUENTAL

(Socialism)
[...] O socialismo não é nem a subversão violenta das instituições e dos costumes, nem a palingenesia messiânica milagrosamente revelada, para acabar para sempre com os males humanos, por este ou aquele inspirado profeta de tal ou qual cenáculo de crentes: e não é uma coisa, exactamente porque não é a outra. Não há nisto paradoxo. Quero dizer que o socialismo não ameaça as instituições e os costumes, que constituem o organismo e a tradição da humanidade, precisamente porque não é uma invenção do pensamento individual um sistema sem raízes históricas, exterior à realidade social, mas sai, pelo contrário, da tradicção e da história, é a própria história e tradicção num período das suas transformações contínuas, um parto da razão colectiva e um fruto natural do mesmo desenvolvimento da sociedade. É por isso que a não ameaça, porque a sociedade não se destrói a si mesma: desenvolve-se e transforma-se; o socialismo não é mais do que a palavra que quadra ao grau de transformação e desenvolvimento do momento actual. O que foi no primeiro quartel deste século o liberalismo, o que três ou quatro séculos antes havia sido a monarquia, e antes cinco ou seis as comunas e o feudalismo, é o que será amanhã (e já hoje começa a ser) o socialismo: um novo período e uma nova forma no organismo das sociedades europeias. Tão inevitável como aqueles, será como eles tão benéfico e tão pouco subversivo, sendo, como eles foram, não um resultado fortuito de opiniões e interesses de indivíduos, mas um facto necessário da Providência imanente na história. [...]
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Antero de Quental in “Oliveira Martins”
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Nota: Este texto, literariamente sedutor, foi escrito há 116 anos. Desde lá a sociedade evoluiu, incluindo experiências falhadas do chamado "socialismo científico", mas não como Antero de Quental previa. A sua previsão foi, essa sim, uma "invenção do pensamento individual". A colectividade das mulheres e dos homens, chamada sociedade, é mais complicada que a soma das complicações pessoais e prega partidas a quem se aventura em profecias sociológicas.
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