[...] Trocadas as descomposturas preliminares sobre a questão da fazenda, decide-se que é indispensavel, ainda mais uma vez, recorrer ao crédito, e faz-se um novo empréstimo. No ano seguinte averigua-se por cálculos cheios de engenho aritmético que para pagar os encargos do empréstimo do ano anterior não há outro remédio senão recorrer ainda mais uma vez ao país, e cria-se um novo imposto.
Fazem-se empréstimos para suprir o imposto, criam-se impostos para pagar os juros dos empréstimos, tornam-se a fazer empréstimos para atalhar os desvios do imposto para o pagamento dos juros, e n'este interessante círculo vicioso, mas ingénuo, o deficit—por uma estranha birra, admissível n'um ser teimoso, mas inexplicável n'um mero saldo negativo, em uma não existência,—aumenta sempre através das contribuições intermitentes com que se destinam a extingui-lo já o empréstimo contraído, já o imposto cobrado.
Assim como os alforges dos antigos pobres das feiras e das extintas ordens mendicantes, o deficit tem dois sacos, um para diante outro para trás, ambos destinados a receber o vácuo. N'um dos sacos mete-se a dívida flutuante, no outro mete-se a dívida consolidada. De quando em quando há um relâmpago de júbilo, porque parece por um momento que o alforge do deficit está vazio, isto é, que está sem vácuo dentro: é a divida, que se achava em estado de flutuação no saco da frente, que passou no estado de consolidação para o saco de trás.
A alegria fugaz mas intensa que provem da ilusão d'esta gigajoga vale o dinheiro que custa, mas custa sempre alguma coisa, porque de todas as vezes que eles mexem na dívida, seja para o que fôr, mesmo para a mudar de saco, ela cresce.
Pela parte que lhe respeita o país espera. O quê? O momento em que pela boa razão de não haver mais coisa que se colecte, porque estará colectado tudo, deixe de haver quem empreste por não haver mais quem pague. [...]
Fazem-se empréstimos para suprir o imposto, criam-se impostos para pagar os juros dos empréstimos, tornam-se a fazer empréstimos para atalhar os desvios do imposto para o pagamento dos juros, e n'este interessante círculo vicioso, mas ingénuo, o deficit—por uma estranha birra, admissível n'um ser teimoso, mas inexplicável n'um mero saldo negativo, em uma não existência,—aumenta sempre através das contribuições intermitentes com que se destinam a extingui-lo já o empréstimo contraído, já o imposto cobrado.
Assim como os alforges dos antigos pobres das feiras e das extintas ordens mendicantes, o deficit tem dois sacos, um para diante outro para trás, ambos destinados a receber o vácuo. N'um dos sacos mete-se a dívida flutuante, no outro mete-se a dívida consolidada. De quando em quando há um relâmpago de júbilo, porque parece por um momento que o alforge do deficit está vazio, isto é, que está sem vácuo dentro: é a divida, que se achava em estado de flutuação no saco da frente, que passou no estado de consolidação para o saco de trás.
A alegria fugaz mas intensa que provem da ilusão d'esta gigajoga vale o dinheiro que custa, mas custa sempre alguma coisa, porque de todas as vezes que eles mexem na dívida, seja para o que fôr, mesmo para a mudar de saco, ela cresce.
Pela parte que lhe respeita o país espera. O quê? O momento em que pela boa razão de não haver mais coisa que se colecte, porque estará colectado tudo, deixe de haver quem empreste por não haver mais quem pague. [...]
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Eça de Queirós in "As Farpas" (Junho de 1882)
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