[...] Assim, eu não creio, por exemplo, que haja nada mais espanhol, e que se nos afigure mais heróico, do que o atentado contra o marechal Martinez Campos. O velho general está passando uma revista numa praça de Barcelona, cercado de oficiais e de populares, que em Espanha se misturam sempre familiarmente aos estados-maiores. De repente um rapazola de vinte anos, um anarquista, atravessa o grupo, desata tranquilamente, e de cigarro na boca, as pontas de uma pequena trouxa, e atira sobre o marechal uma bomba de dinamite. Há uma horrenda explosão, uma nuvem de pó e de estilhas, gritos, todo o tropel e tumulto de uma catástrofe. Mas uma grande voz ressoa, uma voz de comando, serena e quase risonha. É Martinez Campos, de pé, coberto de sangue, que brada com a mão no ar: «No és nada, no és nada!» O seu cavalo jazia despedaçado numa poça de sangue. Em torno, no chão escavado pela bomba, estão caídos uns poucos de oficiais e de populares, mortos ou terrivelmente feridos e gemendo. O marechal tem a farda em farrapos, donde pinga sangue. E, todavia, indignado que se erga tanto alarido por causa de uma bomba, continua a encolher os ombros, a gritar: «Pero si no és nada, hombre, si no és nada!»
Mais adiante soa outro grito ainda mais alto. É o do rapazola, o anarquista, que agita o boné, berra em triunfo: «Fui eu! Fui eu!» Tem vinte anos, acaba de cometer um crime que o levará à forca, e está ansioso por que todos saibam que foi ele, só ele! Não vá outro ser preso, roubar-lhe ali diante do povo, diante de todas aquelas mulheres, a glória do seu feito anarquista! Através do terror, da confusão, podia fugir. Mas quê! Perder todo o prestígio que lhe cabe pela sua façanha? Não! Por isso bate no peito, chama os gendarmes, brada: «Fui eu! Fui eu!» E quando o prendem, vai pelas ruas, já de mãos amarradas, clamando ainda com orgulho para as janelas cheias de gente que fora ele, só ele!
Ao mesmo tempo, por outra rua, vai o velho marechal, em braços, meio desmaiado, continuando a sorrir e a afirmar que «no és nada, que no és nada!»
O quadro é admiravelmente espanhol – e só pode ser espanhol. [...]
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Eça de Queirós in "Ecos de Paris"
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