Há trinta e cinco anos que um bretão anónimo lavrou na Westminster Review a condenação do vinho do Porto como deletério e empeçonhado por acetato de chumbo e outros tóxicos anglicidas. O homem, pelas rábidas violências do estilo, parece ter redigido a calúnia depois de jantar, numa exaltação capitosa do tanino do alvarilhão que ele confundiu com as aflições dos venenos metálicos. Relembra lamentosamente, com a lágrima das bebedeiras ternas, o século dezoito, em que o genuíno licor do Porto era um repuxo de vida que irrigara a preciosa existência de grandes personagens da Grã-Bretanha. Recorda Pitt e Dundas, Sheridan e Fox, famigerados absorventes do nosso vinho. Diz que Lord Eldon e Lord Stowel, graças infinitas ao Porto, reverdejaram e floriram em velhos; e Sir William Grant, já decrépito, bebia duas garrafas de Porto a cada repasto, para conservar cristalinamente a limpidez das suas faculdades mentais e a rija musculatura de todos os seus membros já locomotores, já apreensores, e o resto. Lamenta que Pitt, débil de compleição, com o uso imoderado deste tónico, e em resultado de plétoras frequentes combatidas com amoníaco e sulfato de magnésia, vivesse dez anos menos do que viveria, se possuísse o incombustível estomago curtido do venerável Lord Dundas.
Sucedeu, porém, ao colaborador da Westminster Review achar-se dispéptico, com azias, relaxes intestinais, eructações cloacinas, e o crânio sempre flamejante como suja poncheira, com o encéfalo em combustão de cognac e casquinha de limão—isto depois de saturações copiosas dos vinhos adulterados do Porto—uma mixórdia negra, diz ele aflito; mas não sabe decidir de pronto se a degeneração está na raça saxónia, se no vinho português. Pelo menos e provisoriamente considera-se envenenado, o bruto.
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Camilo Castelo Branco in O Vinho do Porto
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