sexta-feira, 14 de maio de 2010

BEM ESCREVER


No breve espaço dos últimos quinze dias a humanidade pagou à morte um pesado tributo. Escrevemos no meio de túmulos gloriosos e amados. Deixaram de existir, em França Raspail e Courbet; na Itália Victor Manuel, no Brasil José de Alencar; em Portugal Augusto Soromenho. [...]
Victor Manuel foi o homem forte por excelência. Tinha o pulso atlético de Godofredo de Bulhões. Poderia como ele decepar de um só golpe da espada a cabeça de um boi ou o tronco de um reaccionário; comandou como ele uma cruzada - a cruzada de Novara até Roma -, como ele chegou à terra prometida; morreu moço como ele, como todos os heróis que tendo realizado na terra uma grande missão, se sentem de repente invadidos na alma pela tristeza imensa dos saciados. Teve a virtude sintomática dos fortes - a colossal bondade. Ninguém abriu bocas mais fundas nas espadas dos seus adversários; ninguém calcou a terra com sapatos mais fortes, mais intrépidos e mais bem ferrados, atrás dos tiranos e dos cabritos, atrás das raposas e dos padres. Ninguém trepou com pulmões mais rijos às altas cumeadas dos Apeninos e da liberdade. Ninguém sorriu com mais encanto e com mais prestígio à fadiga, ao perigo, às mulheres e à morte. Era evidentemente um forte. E como a força é o maior de todos os atractivos humanos, ninguém conciliou como ele em torno de si tão contraditórias simpatias e tão heterogéneas afeições: foi o amigo do Papa e de Garibaldi, de Bismark e de Gambetta.
Feliz homem!

Ramalho Ortigão, in “As Farpas” (Janeiro de 1878)
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