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Fala-se hoje muito em paradigma. Talvez nunca se tenha falado tanto. O termo foi introduzido por Thomas Kuhn, historiador e filósofo americano, num livro publicado em 1962 e intitulado "The Structure of Scientific Revolutions" que, como está à vista, tinha a ver com ciência. Mais precisamente, Kuhn falava do paradigm shift, ou seja, dos desvios ao paradigma que estariam na base da inovação científica; sendo o paradigma o que é consensual na comunidade científica, aceite universalmente como certo.
O conceito foi depois generalizado a outras disciplinas e práticas, sobretudo à política, e deturpado gradualmente em bocas como Boaventura Sousa Santos e outras luminárias de igual jaez.
Kuhn pegou no paradigma para falar da evolução da ciência.
Segundo ele, paradigma não era a simples teoria, conceito, ou escola, mas também
o enquadramento social e consequências globais que tem. E a ideia era salientar
a importância na evolução e progresso da ciência do que chamou anomalias, ou
desvios do paradigma.
Para ser claro, recordemos a estafada história da teoria geocêntrica
de Ptolomeu, com o Sol e todos os astros a gravitar em volta da Terra - o paradigma.
E a anomalia da tese de Galileu, o seu paradigm shift, com as coisas vistas ao
contrário. O paradigma geocêntrico não era simples teoria científica: tinha
implicações religiosas tremendas, piores que o evolucionismo de Darwin. Por
isso, o colega de Galileu nem quis espreitar pela luneta para não ter abalos de fé, facto aqui contado em tempos. A anomalia de Galileu venceu porque tinha força bastante e deu novo rumo à
cultura, incluindo a religiosa.
Mas nem todas as anomalias são assim, como as de Galileu
ou Darwin, de rebenta canelas, de rachar tudo de alto a baixo. Há
anomaliazinhas. Sendo umas digeríveis pelo paradigma e outras possíveis
apêndices provisórios do paradigma à espera de melhores dias.
E nem todo o desvio do paradigma é dramático. Por
exemplo, muito tempo se negou a hipótese da deriva dos continentes, segundo a
qual todos os continentes haviam sido só um, separando-se depois e viajando
para as actuais localizações. A descoberta das placas tectónicas pôs fim às
dúvidas e tudo correu pacificamente. Assim como a anomalia da transferência de
virulência entre espécies diferentes de bactérias, negada pelos defensores da estabilidade
das espécies e explicada e aceite mais tarde, depois da descoberta do ADN.
Os desvios do paradigma, ou anomalias, são o que já aqui chamei solavancos do
progresso científico que se faz em duas velocidades: uma lenta, realizada quase
burocraticamente nos grandes centros de investigação e vive no paradigma
decorrente da última anomalia; e outra de supetão, quando um paradigm shift se
impõe à comunidade científica e muda tudo. Pasteur descobriu o papel dos
micro-organismos na doença, criou a anomalia, e a Medicina mudou para novo
paradigma - ecco!
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