Imagine que lê num jornal o seguinte título: "O
milho geneticamente modificado pode causar o cancro". E suponha que no estudo
do artigo se chega à conclusão que a diferença entre o milho geneticamente modificado
e o milho natural, no que respeita à causa do cancro, não é significativa. Isto
é, noutro estudo igual, feito numa população diferente, os números podiam ser
ao contrário. A pergunta é: quantas pessoas se apercebem que o artigo pode ser
bom, mas o título é lixo? Muito poucas, digo-lhe eu. A ideia da acção
cancerígena do milho modificado infiltra-se no encéfalo e fica—e é isso que se
pretende.
O que digo não é inventado—há estudos que o comprovam. No
jornalismo, por exemplo, o primeiro critério para escolher um título é avaliar qual
o que leva mais gente a ler a peça e não aquele que sintetiza melhor o
conteúdo. É a velha história do homem que mordeu o cão. Por isso, as saídas do
Dr. Soares são tão bem-vindas pelos jornais porque cada asneira que diz faz um
título. Só depois vem, numa hipótese optimista, o propósito—secundário!—de
informar correctamente. Por vezes a informação também é enviesada, como o
título, dependendo isso da honestidade intelectual do jornalista.
Serve este arrazoado de 200 palavras para explicar o
título de que ontem aqui se falava, a respeito da manifestação de repúdio do
terrorismo em Paris, no Domingo passado, que rezava assim: «Milhares na rua em
véspera da grande "marcha republicana"»
É claro
que a marcha podia mesmo ser maioritariamente republicana, mas não era só. E
tal título, que subestima milhares de pessoas que não estavam lá na qualidade
de republicanos, mas de cidadãos revoltados contra o terror, é claramente uma
manobra enviesada de republicanos imbecis para se promoverem, só comparável a esse
estribilho da ética republicana que seria apenas ridículo, se não fosse uma mentira.
Repúblicas e republicanos corruptos e vigaristas é o que mais há.
A carne é fraca e os republicanos fazem exactamente o mesmo que os
outros. Somos todos iguais, dizem eles e é bem verdade—incluindo na ética, ou
falta dela.
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