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Falámos há três dias do viés da mente humana quando apreciamos
benevolentemente, com tolerância e generosidade, as nossas capacidades e defeitos.
Dissemos então que viés é a tendência para ter uma visão parcial e distorcida
da realidade, de acordo com as nossas convicções e gostos, e citámos o exemplo
do adepto desportivo cujo clube preferido devia sempre ganhar e, se perde, é
porque foi roubado ou teve azar, mesmo que não jogue nada de jeito.
Pois o viés mental faz parte integrante do nosso
intelecto. A nossa mente trabalha com o fruto da informação que os órgãos dos
sentidos recolhem e enviam até ao cérebro sob a forma de padrões de impulsos eléctricos.
Tal informação é depois tratada de maneira personalizada e isto quer dizer que
cada padrão, ou conjunto de padrões, tem tratamento diferente de pessoa para
pessoa. O conjunto de critérios que cada um usa para tratar essa informação é
como uma impressão digital, único e diferente de todos os outros dos nossos semelhantes.
Baseia-se no património genético e na experiência. Por isso, ninguém “vê” o
mundo da mesma maneira e, assim, todos “vemos” um mundo que, rigorosamente, não
corresponde à verdade, ou realidade. Goethe, sabiamente, dizia que, se queremos
saber qual o gosto dos morangos ou das cerejas, devemos perguntar às crianças
ou às aves - tirada de génio, diga-se.
Mas, e a ciência?, perguntar-se-á. A ciência, porque há
muito percebeu que a mente humana é traiçoeiramente enganadora, tem mecanismos
de defesa. Desde logo porque a investigação é multicêntrica, feita por muitas
mentes, todas diferentes, que praticam o exercício do controlo mútuo. E porque
o resultado de cada investigação tem de “encaixar” com rigor no enquadramento
geral de todos os resultados, dessa e de outras investigações sobre a mesma matéria
e matérias relacionadas, como um enorme problema de palavras cruzadas, em que
cada palavra tem de combinar com todas as perpendiculares com que se cruza. E
na Medicina, cuja investigação é vítima fácil do viés da subjectividade, usa-se
o método da dupla ocultação, ou do ensaio duplamente cego, em que os resultados
são avaliados sem conhecer, para cada um, se é favorável ou desfavorável ao que
se pretende demonstrar.
Em resumo, o viés da nossa mente é permanente, mas o seu
fruto provisório; este deve adaptar-se à mudança porque é sempre apenas hipótese;
e, sobretudo, é normal. Sábio é o que sabe viver com ele.
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domingo, 11 de março de 2012
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