Segundo consta, George Orwell terá escrito que quem não
consegue escrever bem não consegue pensar bem, afirmação duplamente discutível
porque i) é também atribuída a Oscar Wilde; e porque ii) aparecerá no ensaio Politics
and the English Language e ninguém a encontra lá. É possível que Orwell
tenha dito ou escrito coisa parecida, mas diferente e noutro local, embora isso
não interesse agora—interessa apenas a ideia porque tem sido objecto de controvérsia: escrever mal não implica pensar mal, constituindo a alegada afirmação de Orwell generalização abusiva.
Talvez se possa dizer que quem pensa bem não escreve necessariamente
da mesma forma e pode até escrever mal, embora tenha condição para o fazer melhor.
E o que pensa mal? É bom candidato a ser mau escritor,
embora andem por aí asnos com fama de escrever bem. É o domínio da forma sobre
o conteúdo que se encontra em proporções variáveis, dependendo do autor.
Sem insinuar que nenhum deles seja asno, diz-se, por
exemplo, que Kant não valia metade de Nietzsche como escritor, embora valesse o
dobro como filósofo.
A língua, no fundo, é simultaneamente instrumento de
comunicação intelectual e instrumento artístico. Quando usada da última forma,
pode tornar a ideia brilhante. Camões sabia-o:
E vós, Tágides minhas,
pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
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