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Portugal agora está reduzido a andar por aí, ao deus dará, a pedinchar uma esmolinha por amor da Europa.
Mas a Europa também mudou. Tornou-se muito maior, muito mais complicada, muito mais azeda, muito menos solidária e muito mais cautelosa. Quem havia de dizer! Agora a Europa, depois de nos ter feito uma porção de bonitos, começou a fazer-nos uma série de manguitos. Aprendeu mais depressa connosco do que nós com ela. E quando nos vê a estender a escudela sôfrega, diz-nos aquela frase lapidar que antigamente se via nalgumas mercearias, com o Zé-Povinho empoleirado numa prateleira a fazer a saudação de S. Francisco: "- Queres fiado? Toma!"
Vasco Graça Moura in “Diário de Notícias”
Na realidade, há um facto que os portugueses, ou pelo menos alguns portugueses, como o Dr. Soares, ainda não entenderam, ou não querem entender, porque não é agradável: a solidariedade europeia implica respeito pelas normas, honestidade no comportamento, e solidariedade colectiva, incluindo dos mais fracos, como Portugal. Se surgem indícios de exploração da tão badalada solidariedade, configuradas na falta de rigor da administração, com despesa que não há claramente capacidade de pagar, e contas falseadas para encobrir a tentativa de viver à custa do outro, naturalmente que o português começa a receber manguitos.
Hoje, liga-se o rádio e ouvem-se programas em que os ouvintes salientam a traço grosso as conquistas da democracia. Foram tais conquistas feitas com a riqueza fruto do trabalho de Portugal, administrada com rigor e bom senso? Não foram. Tudo se atingiu à custa de um insensato endividamento externo, levado até à inenarrável situação de insolvência em que nos encontramos. Mas, em boa verdade, não me surpreende a atitude de complacência dos portugueses face a quem nos levou até esta situação: no fundo, é assim que quase todos gerem as suas vidas particulares, afundadas em compromissos financeiros que ninguém vê como vão honrar.
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