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[...] Suponha o leitor, queria eu dizer, que está em uma assembleia legislativa. Discute-se o orçamento da receita e despesa, matéria de máxima importância, como se vê logo pela designação. Há grande alvoroço: pedem a palavra, sobem à tribuna os melhores oradores, a lógica e a retórica andam em pleno exercício; e a palavra humana torna-se nesse momento, para usar da expressão de Montalembert, o tipo supremo da beleza, a arma irresistível da verdade. Sobre que se discute? Sobre o orçamento? Não, senhor: os oradores cansam-se, elevam-se, lutam, fazem prodígios da língua, sobre tudo, menos o objecto da discussão. As questões de política especulativa, as recriminações dos partidos, as invectivas pessoais, o inventário parcial do passado, as conjecturas arbitrárias do futuro, tudo o que pode ser alheio ao orçamento entra em pleno serviço; o orçamento, esse ouve falar em seu nome por duas outras vozes mais moderadas, que, entrando no terreno prático, desdenham o palavreado estéril e procuram utilizar o tempo malbaratado. [...]
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Machado de Assis in "Crónicas" (1862)
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sexta-feira, 29 de abril de 2011
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