sexta-feira, 1 de maio de 2015

COMUNICAÇÃO OBSCURA ? ! ! !

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A sabedoria antiga—não estou a referir-me ao saber no sentido de ciência, mas antes a conceitos filosóficos sobre o homem e o mundo—chega-nos muito frequentemente através de parábolas, enigmas, provérbios e formas ditas obscuras de comunicação. Porquê isto, se o homem tem raciocínio e linguagem para transmitir ideias de forma clara?
Naturalmente, antes da escrita é normal que fosse assim pois a parábola, por exemplo, configura forma fácil de passar um conceito, um princípio, ou uma norma, de geração em geração sem deturpações. É a mensagem formatada.  Mas depois da escrita, e o depois neste caso já começou há séculos, a forma resistiu e mantém-se, apesar dessa escrita, da imprensa, da rádio, da televisão, da Internet.
O problema é complicado e há muitos pontos de vista—uma sentença por cada cabeça. Em minha opinião, a linguagem oral e escrita, sendo uma das maravilhas do universo, com milagres no currículo, incluindo o estatuto de forma de arte (Eça vale cem Pomares), tem limites. Em boa verdade, não chegará para tudo. Haverá nuances mentais que ultrapassam a sua capacidade comunicacional, problema só ultrapassado pela metáfora, pela parábola, pelo conto. A narração dum facto paralelo ou semelhante permite, por analogia, transmitir o que se quer expressar sem o dizer directamente.
Pegue-se na Parábola dos Trabalhadores da Vinha, ou da Última Hora, de S. Mateus e analise-se a forma. Tem pouco mais de 100 palavras, dependendo do idioma—um artigo do Dr. Soares no "Diário de Notícias" tem perto de mil e não diz nada. A parábola referida envolve conceitos complicados de relação entre justiça, generosidade, igualdade, inveja, liberdade de decidir e por aí fora. Aplica-se a centenas—se não milhares—de situações concretas da vida de todos os tempos, talvez mais hoje que no tempo de Mateus, e é fácil de transmitir a qualquer nível cultural. Por isso, resiste ao tempo. Vistas bem as coisas, não é forma obscura de comunicar, coisa nenhuma. Pelo contrário, configura forma superior de linguagem. Repito, a parábola, o conto, o anexim, o bitaite até, são formas superiores de comunicação.
E agora, passo a explicar ao que vem esta conversa com que seringo os leitores que resistiram até aqui. Li hoje, no AEON Questions, várias respostas à impertinente pergunta "Why are ancient wisdom traditions so often transmitted via riddles, parables and other obscure modes of communication?" e não gostei nada da pergunta e muito pouco das respostas. Veja o leitor com os seus olhos.
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