domingo, 3 de abril de 2011

GARRETT

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[...] Este sonhar acordado, este cismar poético diante dos sublimes espectáculos da natureza, é dos prazeres grandes que Deus concedeu às almas de certa têmpera. Doce é gozar assim... mas em que doçuras da vida não predomina sempre o ácido poderoso que estimula! Tirai-lho, fica a insipidez; deixai-lho, ulcera por fim os órgãos: o gozo é mais vivo porque a acção do estímulo é mais sentida... mas a ulceração cresce, o coração está em carne viva... agora o prazer é martírio.
Infeliz do que chegou a esse estado!
Bem aventurado o que pode graduar, como Goethe, a dose de anfião que quer tomar, que poupa as sensações e a vida, e economiza as potências de sua alma! Nesses porém é a imaginação que domina, não o sentimento. Byron, Schiller, Camões, o Tasso morreram moços; matou-os o coração. Homero e Goethe, Sofocles e Voltaire acabaram de velhos: sustinha-os a imaginação, que não despende vida porque não gasta sensibilidade.
Imaginar é sonhar, dorme e repousa a vida no entretanto; sentir é viver activamente, cansa-a e consome-a. [...]
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Almeida Garrett in “Viagens na Minha Terra”
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